O panorama legislativo da criptografia no Cone Sul
08/01/2025
Com o desenvolvimento tecnológico, a criptografia evoluiu significativamente, transformando-se em um pilar da segurança da informação, sendo ferramenta importante na garantia da privacidade de mensagens e chamadas até a segurança de transações financeiras e a autenticação de documentos digitais. Por sua relevância, a criptografia passou a ser foco de debates normativos, especialmente quando tratamos de temas como privacidade, segurança nacional e investigação criminal.
É fato que em uma sociedade cada vez mais interconectada, o uso de ferramentas criptográficas torna-se ainda mais importante, ainda mais considerando a multiplicidade de atores que tem o potencial de ameaçar direitos individuais e coletivos, como governos autoritários, atores mal-intencionados do setor privado e criminosos. Cada vez mais diversos desses atores, de maneira sistemática, passaram a utilizar ferramentas de quebra de criptografia como o First Mile e o Pegasus, com casos crescentes de cibervigilância e perseguição a ciberativistas na América Latina, onde a legislação de proteção digital ainda é incipiente.
Foi nesse contexto que desenvolvi, como parte do Programa Líderes do LACNIC, o projeto “Entre Chaves e Códigos: Um mapa das legislações sobre criptografia no Cone Sul”. A pesquisa mapeou e analisou 144 leis, decretos e resoluções no Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai, buscando entender como cada país define, regulamenta e incentiva o uso da criptografia. Investigamos questões essenciais como: a delimitação do uso da criptografia, as previsões legais sobre mecanismos criptográficos, o reconhecimento do direito à criptografia, os incentivos para seu desenvolvimento e as circunstâncias que admitem restrições.
O projeto adotou uma abordagem metodológica de análise qualitativa de artefatos normativos, coletados em diários oficiais, com uso de palavras-chave, bem como uso de revisão de literatura, como instrumento complementar.
Panorama Regional
(Um dos entregáveis do Projeto foi um mapa visual. Disponível em: https://thobiaspmoura.wixsite.com/criptografiaconesul/blank-3)
Dentre os países supracitados, a pesquisa mapeou e analisou 144 artefatos normativos, incluindo leis, decretos e resoluções, com o objetivo de compreender como a criptografia é definida, regulamentada e incentivada dentro do contexto de cada um desses países. Os dados revelaram que, embora a criptografia seja amplamente reconhecida como um meio de garantir segurança e privacidade, poucos países possuem mecanismos claros de incentivo ao seu uso ou regulamentos robustos que abordem suas aplicações em setores específicos.
A análise revelou um cenário regulatório diversificado, onde o Chile desponta como líder, Brasil e Uruguai ocupam posições intermediárias, e Argentina e Paraguai enfrentam desafios significativos. O Chile possui o marco regulatório mais robusto, destacando-se por reconhecer o direito à criptografia em sua Ley 21.663/2024, uma inovação regional que garante aos cidadãos a proteção de suas comunicações. Além disso, o país conta com 20 artefatos normativos que regulam detalhadamente o uso de mecanismos criptográficos em setores estratégicos, como segurança cibernética e economia digital. A legislação chilena também inclui definições claras de conceitos como criptografia e decifração, reduzindo ambiguidades e facilitando sua aplicação normativa.
O Brasil, por sua vez, apresenta avanços fragmentados. Embora não possua uma legislação específica para criptografia, o tema está integrado em diversas políticas públicas, como a Política Nacional de Segurança Cibernética. Com definições legais presentes em decretos presidenciais, o Brasil regula o uso de criptografia em áreas como proteção de dados e transações eletrônicas. Apesar de avanços significativos, há lacunas na consolidação de um marco regulatório unificado, o que poderia potencializar sua aplicação em setores emergentes.
Já o Uruguai demonstra uma abordagem mais organizada, com leis que regulam o uso de criptografia em setores como comércio eletrônico e proteção de dados. No entanto, o país enfrenta limitações, como a ausência de incentivos claros para adoção em larga escala e a falta de definições legais para conceitos fundamentais, como decifração.
Por outro lado, Argentina e Paraguai exibem marcos regulatórios incipientes. Na Argentina, a única norma relevante é a Lei 25.506/2001, que trata de assinaturas digitais, mas não aborda diretamente a criptografia como um direito ou uma tecnologia estratégica. No Paraguai, apesar de algumas definições básicas estarem presentes, não há incentivos estruturais ou políticas públicas voltadas ao fortalecimento da criptografia. Essas lacunas comprometem a capacidade desses países de fomentar a economia digital e proteger direitos fundamentais.
Um dos resultados mais importantes do projeto é o mapa legislativo interativo, uma ferramenta prática para formuladores de políticas, pesquisadores e organizações interessados em promover um futuro digital mais seguro.
Também se abre caminhos para futuras pesquisas e desdobramentos. Uma das áreas de maior potencial é a investigação sobre o impacto econômico da criptografia, explorando como políticas públicas que incentivem seu uso podem impulsionar setores como comércio eletrônico e serviços financeiros. Outra vertente promissora é a análise da interseção entre criptografia e direitos humanos, avaliando como diferentes abordagens regulatórias afetam a privacidade, a liberdade de expressão e o acesso à informação.
Dessa maneira, o projeto destaca que, embora a criptografia seja amplamente reconhecida como um mecanismo essencial para a segurança digital, muitos países do Cone Sul ainda carecem de regulamentações robustas e incentivos claros para sua adoção. Ao propor uma visão integrada e coordenada busca se oferecer subsídios técnicos para formuladores de políticas, pesquisadores e organizações interessadas em construir um futuro digital mais seguro e inclusivo.
Por fim, participar do Programa Líderes do LACNIC foi uma experiência extremamente enriquecedora. O programa oferece não só a oportunidade de desenvolver um projeto relevante, mas também acesso a uma rede de especialistas e líderes da região, fomentando a colaboração e o aprendizado. Recomendo fortemente a participação a todos que se interessam por governança da Internet e desenvolvimento da América Latina.
Para mais detalhes, acesse o relatório completo e explore o mapa interativo desenvolvido no Portal Líderes do LACNIC ou no site oficial do Projeto.
As opiniões expressas pelos autores deste blog são próprias e não refletem necessariamente as opiniões de LACNIC.