Implicâncias técnicas dos mandados judiciais para o bloqueio de sites e serviços na Internet
30/10/2023
Por Miguel Ignacio Estrada, Gerente de Relações Estratégicas do LACNIC
A dificuldade das operadoras para cumprir mandados judiciais e administrativas de bloqueio de sites, frequentemente mal confeccionadas do ponto de vista técnico, nos levou a impulsionar um painel no LACNIC 40 LACNOG 2023, com o intuito de ouvir as vozes dos protagonistas.
Nesse encontro, os participantes (Sebastian Schoenfeld, Carlos Martínez, Lía Solís Montaño, Douglas Fernando Fischer e Ariel Graizer) estiveram de acordo sobre a necessidade de treinar autoridades judiciais e administrativas para atenuar os riscos que acarreta o bloqueio de sites na Internet; a fim de que recebam as instruções mais exatas em termos operativos e técnicos.
A troca de diferentes visões no LACNIC40 / LACNOG2023 buscou conhecer experiências e casos concretos das operadoras no tocante aos mandados das autoridades judiciais e administrativas, dispostas a interditar sites por descumprirem com as disposições legais sobre os direitos autorais, divulgar a pirataria ou incluir conteúdo ilegal.
Segundo uma enquete realizada, prévio ao painel, 85% das operadoras consultadas recebeu mandado para impedir o funcionamento de um endereço de Internet com conteúdo ilegal.
A maioria das instruções foram proferidas por juízes ou autoridades judiciais (64%), enquanto que a porcentagem restante (36%) proveio de autoridades administrativas (órgão regulador, ofícios do governo, etc.). Quase seis de cada dez operadoras consultadas na enquete, apontou que foi impossível cumprir com alguns mandados em razão dos erros técnicos ou de sua confecção.
Conforme nossa investigação, os conteúdos que mais conduzem a bloqueios são os sites de apostas online, violação da propriedade intelectual ou divulgação da pirataria, bem como material de abuso sexual infantil.
Sebastian Schoenfeld, moderador do painel, admitiu que se trata de uma problemática frequentemente afrontada em muitos dos países da região, com dificuldades conexas de difícil resolução.
“O bloqueio é uma problemática na qual a Internet se encontra afetada por decisões externas, muitas vezes tomadas sem compreender a natureza da Internet nem seu funcionamento, tende à fragmentação da rede, por tanto, devemos evita-lo”, disse Schoenfeld.
Para Lía Solis, o desafio é onde será aplicado o bloqueio, pois geralmente o conteúdo está em vários sites. Muitas vezes cumprir o requerimento implica riscos, já que pode acabar bloqueando outros conteúdos.
Douglas Fernando Fischer pôs ênfase em que os mandados recebidos geralmente não são tecnicamente corretos e resultam impossíveis de serem cumpridos: queremos receber a instrução exata do que devemos fazer. Hoje em dia recebemos mandados que devemos interpretar se são corretos ou não, o que fazer (para bloquear), como fazer; e se fizermos, qual impacto geraria ou não geraria. São mais dúvidas que certezas”.
Para Fischer, a justiça deveria contar com um perito técnico que ajudasse na instrução dos bloqueios da Internet, do mesmo modo que age quando há problemas em erros de cálculo em construções que caem ou em golpes a empresas.
Ariel Graizer contribuiu com sua visão sobre o negócio dos direitos vulnerados. A pirataria, disse, atinge os direitos da propriedade intelectual e é de se entender que seus proprietários reclamem se os mesmos são vulnerados. Ele pôs o exemplo de Boca-River (clássico do futebol argentino), que faz com que o tráfego da Internet se dispare em grande escala. Como operador para ele fica difícil tapar o sol com a peneira (bloquear), porque o tráfego pirata chega pelo mesmo lugar da distribuição oficial (do conteúdo). Contou que está se formando uma associação antipirataria na América Latina, pois é um dos problemas a serem resolvidos na Internet, mas, não apenas da perspectiva técnica.
Do seu lugar como CTO do LACNIC, Carlos Martínez sinalizou que um instrumento equivocado, para defender a propriedade intelectual, pode ter consequências sobre o uso da Internet. Considerando que a Internet é uma grande rede de sub-redes interconectadas, devemos ser cuidadosos com as manobras que nela são feitas. Citou como exemplo que um bloqueio mal especificado originado em um estado do Brasil, foi depois mal implementado, deixando sem whatsapp o Paraguai.
Após ter consultado a quem finalmente executa as ordens de bloqueios, a conclusão é clara: temos de promover práticas mais aprimoradas e contribuir para a busca de entendimentos milimétricos, com o intuito de que as instruções judiciais e administrativas cheguem da forma mais certa possível e evitem repercussões não desejadas sobre o conjunto da rede.
As opiniões expressas pelos autores deste blog são próprias e não refletem necessariamente as opiniões de LACNIC.