Três casos de estudo sobre bloqueios na Internet
05/04/2023
De acordo com uma pesquisa realizada por Héctor Huici e Roberto H. Iglesias a preservação da liberdade de expressão e evitar qualquer tipo de censura, especialmente nos âmbitos político e das ideias, devem ser as premissas perante bloqueios de sites na Internet nos países da América Latina e do Caribe.
Os responsáveis pelo trabalho Bloqueados: A prática dos bloqueios na Internet e três estudos de quase latino-americanos – uma das pesquisas selecionadas *para o programa de Líderes do LACNIC- acreditam que é necessário limitar os bloqueios ao mínimo, necessário e específico, e, em todos os casos, fazer com que tenham um sustento jurídico. Líderes é um programa do LACNIC criado para proporcionar financiamento e tutoria a projetos de pesquisa relacionados à Governança da Internet.
Bloqueios. Cada vez é mais frequente que particulares e governos pretendam bloquear através de meios técnicos o acesso a certos conteúdos da Internet por considerá-los ilegais, ponderou Iglesias, um dos responsáveis pelo projeto.
Ambos os pesquisadores estudaram casos de bloqueios no Uruguai, Argentina e Venezuela. Segundo os cenários analisados, na Argentina os bloqueios são fundamentados essencialmente pela proteção de direitos de terceiros. São dispostos pela via judicial, salvo os chamados casos de “ilegalidade manifesta” (material de abuso sexual infantil, propaganda em favor do genocídio ou outros) que possam acarretar responsabilidade ao intermediário se não retirar ou bloquear esse material por si mesmo ou a pedido do interessado ou inclusive de um terceiro.
No Uruguai, a autoridade reguladora URSEC, possui as faculdades para dispor administrativamente de bloqueios, mas somente as utilizou em casos de infração de direitos de transmissão de jogos de futebol. O procedimento está sujeito a uma posterior revisão judicial, porém, tem gerado mesmo assim, críticas por parte da comunidade da Internet por considerarem que essa garantia não é suficiente e porque essa metodologia poderia se estender a outro tipo de conteúdo.
Venezuela mostrou a maior quantidade de bloqueios persistentes direcionados para conteúdos informativos e políticos, atingindo quase sempre o direito à liberdade de expressão e informação, sinalizou Iglesias.
Segundo o trabalho, os bloqueios na Venezuela são realizados por ordens administrativas, muitas vezes sem embasamento legal claro ou identificável.
Complexidade técnica. Os autores destacaram que do ponto de vista técnico, os bloqueios aparecem muitas vezes como não efetivos. Isso ocorre em razão da facilidade que há para ludibriá-los, quer seja por parte dos autores do conteúdo bloqueado (trocando de localização, endereço IP, formato, etc.) ou dos usuários que buscam acessar esse conteúdo (alteração de configuração de equipamentos, ferramentas de circunvenção, anonimizadores, etc).
Por outro lado, do ponto de vista da liberdade de expressão, os bloqueios são considerados em muitos casos como violatórios à Declaração Universal de Direitos Humanos (1948) ou Pacto de San José de Costa Rica (1969). Não obstante, ambas as declarações, bem como outros instrumentos internacionais, conforme for o caso, proíbem a propaganda em favor do genocídio ou guerra, a incitação à violência e a pornografia infantil, consagrando, ao mesmo tempo, o direito à vida privada e “à honra e reputação”.
Assumindo que o bloqueio é o último recurso para fazer com que os princípios sejam cumpridos, vale frisar a premissa segundo à qual, o que é ilícito fora da Internet, deve ser também ilícito na rede. Apesar disso, Iglesias sinalizou que nem sempre o que se considera ilegal no mundo real, é também ilegal no mundo virtual.
Os autores do trabalho apontaram uma série de orientações jurídicas e técnicas, caso os bloqueios sejam acionados.
Legais
- É importante manter a não responsabilidade do intermediário por conteúdos (excluindo casos, se agirem de maneira culposa ou negligente). Desta forma, é possível preservar uma Internet aberta e integrada.
- A violação dos direitos de propriedade intelectual abriu caminho a boa parte da jurisprudência em matéria de bloqueios e soluções inovadoras, como por exemplo as liminares “dinâmicas”.
- A intervenção judicial surge como uma garantia de um determinado processo. Isso é melhor do que uma simples ordem administrativa.
- Consideram necessários contar com procedimentos iguais de ágeis para quem puder se sentir afetado em seus direitos.
- As liminares “dinâmicas” deveriam em todo momento ser fiscalizadas pela justiça.
- A parte solicitadora do bloqueio deveria ser responsável pelas consequências nocivas que sua atuação possa causar se forem cometidos erros.
- A ordem de bloqueio – quando for oportuna e com as precauções do devido processo – deveria ser direcionada a todos os ISP da circunscrição correspondente.
- Os ISP deveriam ter capacidade de não levar a diante bloqueios que, por sofrerem erros, acarretem o bloqueio de conteúdos lícitos, sem que isso lhes implique responsabilidade quando agirem de boa fé e com fulcro em elementos de bom senso e comunicação imediata a quem tiver solicitado o bloqueio, explicando os motivos de sua forma de agir.
- Um registro público de fácil acesso pode contribuir para a resolução de problemas, alertando a ISP e a plataformas portadoras de direitos protegidos por direitos de propriedade intelectual.
- Deve-se rejeitar qualquer ideia de bloquear conteúdos com figuras abertas como “fatos que causem aflição pública”. Os governos autoritários baseiam-se neste tipo de qualificações para bloquearem conteúdos de sites contrários a suas políticas, atingindo assim a liberdade de expressão.
Técnicas:
- Nenhum bloqueio deveria ser acionado se coloca em risco a estabilidade da rede.
- Dá para promover de forma voluntária ou estabelecer mediante ordem judicial, que sites desenvolvedores de atividades em certa circunscrição, porém que essas atividades não estejam permitidas (ou sujeitas a restrições) em outras, incorporem um mecanismo de geolocalização: desde sites de jogos de azar a sites que oferecem materiais audiovisuais com direitos limitados a certos países ou regiões
- Os bloqueios devem se realizar com a maior precisão e minimização possível, tanto em termos geográficos (reduzindo-os ao nível mais local que for possível) quanto de rede (evitando sua aplicação sobre nuvens, domínios completos, plataformas gerais, etc.).
- Os bloqueios devem ser sempre temporais e excluídos assim que aparecer a causa que os motivou.
- Os “apagões” intencionais da Internet são sempre inaceitáveis. Implicam privar completamente toda a população de um país, região ou cidade de um serviço essencial na sociedade atual, bem como atingir de forma geral e indiscriminada o direito à liberdade de expressão e informação.
Leia a pesquisa aqui.
*A seleção das iniciativas é realizada por um comitê independente ao LACNIC e a conclusão dos trabalhos refletem a visão de seus autores e não necessariamente do LACNIC.
As opiniões expressas pelos autores deste blog são próprias e não refletem necessariamente as opiniões de LACNIC.