“Temos de recuperar o que perdemos da Internet aberta”

30/04/2015

“Temos de recuperar o que perdemos da Internet aberta”

Oscar Robles
CEO de LACNIC

O novo diretor executivo de LACNIC, Oscar Robles, aponta que a Internet está passando por um dos momentos mais significativos na história de suas organizações devido ao processo de transição da supervisão das funções da IANA, e quando fala do futuro da Internet, mostra-se otimista em recuperar “a Internet aberta, (e) o que temos perdido de suas capacidades como facilitadora de direitos humanos e civis”.

A seguir, a entrevista com o novo CEO de LACNIC.

Você tem pouco mais de dois meses na frente de LACNIC. Quais são os desafios que o LACNIC enfrenta hoje?

LACNIC, como toda organização, enfrenta desafios internos e externos. A responsabilidade de oferecer um serviço que cumpra com as expectativas de nossos membros é alterada quando o principal recurso que oferecemos, o IPv4, encontra-se na sua última fase de esgotamento. E mesmo que nós tivermos na interna uma organização financeiramente sadia, com um ambiente organizacional invejável, também é verdade que todo dia temos de trabalhar para manter esses indicadores. Do ponto de vista tecnológico, também não podemos nos relaxar já que somente uma infraestrutura confiável e segura pode nos ajudar a alcançar nossos objetivos.

No contexto externo, temos a Transição da Supervisão das Funções da IANA, um dos momentos mais significativos na história das organizações da Internet pelo que devemos, em primeiro lugar,  garantir que o processo pelo qual nós realizamos esta transição seja feito observando o modelo multistakeholder e os processos participativos que têm sido característicos da nossa comunidade. Ao mesmo tempo devemos continuar impulsionando a implementação do IPv6, atingindo os tomadores de decisões nas organizações chave da região para que colaborem nesse processo.

Quais você considera deveriam ser suas principais linhas de ação?

Embora seja um pouco prematuro para estabelecer uma estratégia concreta, eu quero garantir que todos os esforços que façamos em qualquer um dos desafios acima mencionados ou mesmo em alguns novos, sejam sustentáveis.

Internet já foi considerada como uma das grandes ferramentas para a democratização da informação. No entanto, existem cada vez mais tentativas para restringir as liberdades na Rede alegando problemas de segurança. O que você acha sobre isso?

É lamentável ser a testemunha de  como uma das ferramentas que poderiam ser aproveitadas pelos governos para seu processo de governança e o empoderamento dos direitos civis, pode chegar a ser usada de modo medíocre para esses fins e de modo mais efetivo contra os direitos humanos. Mesmo que o LACNIC não tenha um papel concreto na defesa desses direitos, eu considero que temos a oportunidade de promover as discussões entre atores relevantes da região que permitam soluções mais razoáveis aos desafios de segurança que os governos têm. Temos uma participação ativa em vários fóruns, próprios ou organizados por terceiros, onde compartilhamos com funcionários dos governos aos que devemos continuar expondo a defesa dos princípios fundamentais da Internet.

Qual é o estado atual do desenvolvimento da Internet na América Latina e o Caribe?

Temos diferentes níveis de desenvolvimento, já que enquanto vários países têm níveis de penetração da Internet e de banda larga bastante aceitáveis, a grande maioria ainda não tem penetrações maiores a 50% da Internet ou tem uma banda larga precária. Pior ainda, em alguns outros países o acesso é muito limitado não apenas no que refere à penetração mas também em qualidade, e com isso a oferta dos serviços que podem ser oferecidos através desse meio também fica limitada.

A região estava preparada para o esgotamento do IPv4? Como você avalia a atual implementação da tecnologia IPv6 na América Latina e o Caribe?

Mais uma vez, eu acho que nesse aspecto temos diferentes níveis de preparação para uma implementação eficaz do IPv6. E mesmo que o IPv4 tenha seus dias contados, pelo fato de existirem tecnologias para suavizar essa situação, os operadores experimentam  uma falsa sensação de tranquilidade. Existem alguns países da região que tem habilitada uma proporção significativa de suas redes (ASN) para circular tráfego IPv6 e, mesmo ainda não fazendo, estão potencialmente prontas para isso. Os grandes operadores, em grande parte, têm garantido que sua infraestrutura principal suporte IPv6, os grandes geradores de conteúdo já consideram em suas redes e servidores o duplo stack, e os dispositivos a nível dos usuários suportam hoje (também em grande parte) o protocolo IPv6. Mas ainda existem desafios importantes nos modens, fio modens e alguns outros dispositivos de acesso que ainda não estão preparados para o IPv6 e que ainda têm programado seu substituto dentro desses operadores. Aqui nós temos um dos elos mais fracos.

Outro elo fraco na região encontra-se nos milhares de aplicativos nas empresas, desde ERP fortes até aplicativos de ajuda (agendas, calendários, mensagens da Internet, etc.) que poderiam ter deficiências no uso de librarias que suportem o IPv6. Nesse sentido o LACNIC tem desenvolvido uma metodologia para a certificação de aplicativos (CERTIv6) que queremos apresentar, tanto quanto possível e contribuir para uma implementação adequada do IPv6 na região.

Estamos vivendo o processo de transição das funções da IANA para a comunidade dos RIR. O que deveríamos prestar atenção?

Mesmo que essa transição seja um dos marcos mais significativos na história das organizações na Internet, também é verdade que devemos ter especial cuidado na vigilância do processo e garantir sob quaisquer circunstâncias o respeito àqueles aspectos que têm caracterizado nossos processos de definição de políticas: discussões abertas para todos aqueles interessados na comunidade e registro público dessas discussões, já que esse é um dos requisitos que o governo dos Estados Unidos através da NTIA tem estabelecido em sua chamada a propostas a pouco mais de um ano. Portanto, devemos permanecer alertas e vigilantes do processo.

Esses últimos 20 anos foram chave para a Internet, como você acha vai ser a Internet em 2035?

Eu não sei como vai ser, mas sim como devemos imaginá-la: temos de recuperar o que perdemos da Internet aberta, o que perdemos de suas capacidades como facilitadora de direitos humanos e civis. Não posso imaginá-la como apenas uma página da Internet, limitados a APENAS UMA das quase 300 milhões de páginas na Internet. Não posso imaginá-la como uma ferramenta de vigilância massiva. A Internet deve continuar a ser um elemento fundamental para atingir o desenvolvimento dos povos, de sua sociedade, de sua cultura, de sua economia. Temos muito a fazer.

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