Lacuna digital em comunidades indígenas de Salta
29/03/2023
Foto: Rede comunitária Misión Grande ( lapoderosa.org.ar)
Uma pesquisa sobre lacunas e desigualdades no acesso à Internet em comunidades indígenas do norte da Argentina confirmou a existência de um abismo digital em relação às populações que moram nos centros urbanos ou grandes cidades da América Latina e o Caribe.
A pesquisa, desenvolvida pelo professor e pesquisador Emiliano Venier da Universidade Nacional de Salta e selecionado pelo programa Líderes do LACNIC, aprofundou sobre o acesso à Internet nas populações indígenas do extremo norte da província de Salta.
De acordo com os dados coletados no território pelo pesquisador e sua equipe, foi verificada uma forte exclusão das populações indígenas aos recursos da Internet, “o que implica um retrocesso para atingir o potencial que tem como ferramenta de acesso aos direitos humanos”.
O docente afirmou que “a exclusão digital nestas populações reflete e aprofunda a situação de vulnerabilidade e atraso na satisfação das necessidades básicas”. Isso piora nas comunidades mais afastadas dos centros urbanos devido à falta de cobertura de serviços da Internet.
A falta da Internet também foi um fator excludente para essas populações acessarem os planos assistenciais do Estado, principalmente durante a pandemia da COVID-19, mas também nas áreas conectadas a insuficiência das políticas de conectividade aumentou as assimetrias com as populações não indígenas nas áreas.
Custo inacessível. O estudo mostrou a baixa velocidade de conexão nessas áreas e a quase impossibilidade de acesso ao serviço devido à baixa renda das famílias indígenas em relação ao custo (4% da renda de toda a família para poder pagar um cartão para três dias). Também salientou como dificuldade a falta de aparelhos tecnológicos (computadores, tablets, celulares) e as limitações no conhecimento necessário para usá-los.
Não entanto, a pesquisa destacou que os povos indígenas dinamizaram experiências ou iniciativas que dão conta dos sentidos políticos que assumem os usos das TIC para seus modos de existência, principalmente no fortalecimento da cultura e na luta pelo reconhecimento de seus territórios ancestrais.
Venier disse que essas experiências devem ser fortalecidas com o trabalho articulado dos atores governamentais e da sociedade civil, o que implica “a obrigação do Estado de fornecer as facilidades necessárias para que essas comunidades possam cumprir esse direito”.
Além das políticas de conectividade e acesso a equipamentos, o estudo apela a processos de alfabetização digital ou desenvolvimento de competências digitais em todos os níveis do sistema de ensino formal e em iniciativas de educação não formal.
Outro ponto da pesquisa está relacionado ao desenvolvimento das redes comunitárias da Internet nas zonas, uma vez que a expansão da conectividade de última milha não é atrativa para as operadoras comerciais, considerando os custos relacionados à implantação e manutenção da infraestrutura.
Perante a falta de presença do Estado e a presença de empresas, as redes comunitárias da Internet são uma alternativa autogerida de conectividade. O trabalho detectou duas redes comunitárias no chaco salteño (Grande Chaco Nanum Village e Missão Grande) onde as populações locais com o apoio de ONG desenvolvem sua própria infraestrutura e modelo de manutenção colaborativo. “Essas redes comunitárias são mais uma expressão do acúmulo de experiências críticas e criativas por meio das quais as comunidades indígenas colocam em jogo suas táticas na disputa que devem dar cotidianamente pelo reconhecimento de seus modos de existência”, afirmou o pesquisador.
Povos nativos. Segundo Venier, a saída da lacuna digital nas populações indígenas não deveria ser de qualquer forma. “A demanda dos povos nativos por conectividade -disse o pesquisador- não tem como objetivo a inclusão nesta ordem econômica, social e cultural, mas sim que a Internet seja um meio que funcione como catalisador de processos políticos e culturais; mais uma ferramenta para empreender as lutas do presente e continuar as lutas das reivindicações fundamentais pelo reconhecimento de suas formas de existência”. De fato, há sete idiomas diferentes falados naquela região e o conteúdo da Internet em seu idioma original é praticamente inexistente. Tamanha era a dificuldade, que um jovem de uma das comunidades desenvolveu um aplicativo para traduzir do espanhol para o wichi e do wichi para o espanhol.
O professor argumentou que a experiência das redes comunitárias recupera o espírito colaborativo e descentralizado na governança da Internet. “Diante da forma mais difundida de sujeito usuário da Internet, as redes comunitárias estimulam um processo pelo qual os laços sociais são fortalecidos e, sobretudo, novas relações com as TIC são configuradas, possibilitando que a Internet e as tecnologias se tornem um recurso para solucionar os problemas das comunidades indígenas”, concluiu.