Áspero e próspero debate durante a Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais: entrevista a Andrés Piazza, representante do LACNIC em Dubai.
28/12/2012
A defesa da Internet livre e seu modelo multiparticipativo de governança tem sido a premissa fundamental das organizações e atores internacionais da Internet durante duas semanas de conversas em Dubai para evitar que o novo tratado global das telecomunicações, acordado nessa reunião pelos países membros da União Internacional de Telecomunicações, incluisse um marco regulamentar sobre as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).
Andrés Piazza, responsável pelas Relações Exteriores do LACNIC, participou de forma ativa desse encontro, e, conjuntamente com outros representantes da comunidade das TIC, procurou preservar a natureza não regulamentada da Internet perante tentativas de vários governos de impor restrições e regulamentações para seu uso.
Depois de duas semanas em que foi discutido com intensidade a natureza da rede e a possibilidade de estabelecer limites a seus conteúdos, a cúpula de Dubai finalizou com um texto que não refere à Internet
-Que grau de abertura teve essa Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais realizada em Dubai (Emirados Árabes Unidos)?
-A questão da abertura e transparência tem estado no centro da cena. Em primeiro lugar, pelo contraste que pode ser estabelecido entre uma Conferência Multilateral na que os Estados membros da ITU discutem a modificação de um tratado, com as deliberações e os processos de desenvolvimento de políticas que são realizadas nas diferentes organizações da Comunidade da Internet (ICANN, RIR, IETF, etc.) em relação à disponibilidade de informações, transparência e possibilidade nesses últimos processos de admitir a participação de qualquer pessoa interessada.
A comunidade da Internet, entre outros stakeholders, expressou desde o início sua preocupação pela transparência, o que gerou uma reação interessante da UIT já que a Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais contou com um nível de abertura sem precedentes em um tratado internacional. As sessões plenárias bem como as sessões da comissão 5 (a mais importante, na que foram debatidas as propostas), contaram com webcast, atas textuais em tempo real e arquivo das mesmas, e publicação de documentos. Assim mesmo, o evento contou com conferências de imprensa com regularidade diária, algo incomum também (veja minha entrevista no site da ITU, resposta à pergunta 3).
http://www.youtube.com/watch?v=G9pVmnNOD18&list=PLpoIPNlF8P2MKQnXhA7y8w2G6rz-sEnmp&index=1
Porém, esses avanços não foram suficientes para atingir o nível de transparência desejado. Na segunda semana de deliberações, algumas reuniões informais foram chave para a evolução do texto, e elas não tiveram a mesma abertura. As negociações das propostas mais intensas aconteceram nessas instâncias. Isso levou a expressões de preocupação do NRO e da Sociedade da Internet (veja notas).
http://www.nro.net/news/nro-observations-on-wcit-12-process
-Quais foram as questões relacionadas à governança da Internet mais relevantes da reunião?
-Foi enfatizado, tanto nas palavras inaugurais da conferência quanto nas negociações, a vontade da comunidade, manifestações dos Estados Membro e da Presidência da Conferência, que o Regulamento de Telecomunicações não tratava nem devia tratar sobre a Internet, e que o assunto da Conferência Mundial não era a Internet.
Apesar disso, em várias ocasiões a conferência debateu sobre a Internet, Governança, Modificação da Definição de Telecomunicações Internacionais, Administração de Recursos Críticos, Regulamentação da Cibersegurança e do Spam, criação de Taxas de Conclusão e Trânsito, estabelecimento de um regime de remuneração baseado em “sender pays” e qualidade de serviço, em substituição do atual que rege à rede (melhor esforço), entre outras.
No entanto, nenhuma dessas disposições acabou no
regulamento adoptado, que não alterou a definição de Telecomunicações nem fez referência em seu articulado à Internet.
-É preciso criar novos órgãos ou organizações supranacionais sobre a Internet?
-O conceito supranacional supõe a transferência de soberania dos Estados sobre um determinado assunto, de forma explícita. A Internet e sua governança não são administrados por um órgão soberano nem supranacional. Seu atual regime de governança garante a abertura e liberdade da rede, e não é necessário criar a priori, novas instituições ou superestruturas para que sejam responsáveis por essas funções.
Felizmente, a negociação do Regulamento de Telecomunicações Internacionais rejeitou todas as propostas que foram feitas para tais fins, devendo conformar às nações que sim estavam interessadas, com a elaboração de uma Resolução de CMTI não vinculante para os Estados, em que está expressa a intenção de continuar trabalhando sobre essa questão.
-Qual é a opinião de sua organização respeito a essa reunião?
-A conferência foi uma experiência interessante de troca de informações, opiniões e pontos de vista com organizações governamentais da região, de outras regiões, órgãos internacionais, e demais stakeholders, resultando extremamente enriquecedora. Assim mesmo, é importante comemorar tanto os avanços em abertura quanto os aspectos que continuam distantes do desejável, como já foi dito.
De qualquer jeito, o LACNIC valoriza o trabalho dos governos de sua região, o compromisso dos mesmos com o desenvolvimento da Internet e sua abertura e liberdade durante a conferência, sem prejuízo da decisão soberana de uns ou outros de aderir ao regulamento de Telecomunicações Internacionais surgido de WCIT12. A nossa organização continua ficando à disposição das administrações.
Acesse o comunicado do LACNIC com reflexões do processo em: http://www.lacnic.net/pt/web/anuncios/2012-wcit-reflexiones