Aprofunda-se o diálogo em torno dos modelos de “contribuição justa” para os custos da rede
25/10/2023
Desde o LACNIC e no âmbito do recente LACNIC 40 / LACNOG 2023, demos espaço para a conversação em torno das recentes propostas de modelos de contribuição para investimento em redes, impulsionados fundamentalmente pelas principais operadoras de telecomunicações.
Tendo como objetivo os grandes geradores de tráfego (GGT), as propostas alcançam iniciativas como Cost Sharing (compartilhamento de custos), Sending Party Pays (quem envia paga) e Fair Share (contribuição justa); todas elas, alternativas que visam recuperar os custos de investimento por parte das telcos, que defendem a necessidade de “garantir a sustentabilidade futura do ecossistema digital em um cenário de crescimento exponencial de tráfego, gerado e monetizado pelas grandes plataformas”.
O debate contou com a participação de Cristiane Sanches, líder do Conselho da Abrint; Paula Bernardi, Senior Policy and Advocacy Advisor para Internet Society; Gabriel Adonaylo, coordenador de LAC-IX (Associação dos Operadores de Pontos de Troca de Tráfego da América Latina e o Caribe); e Raúl Echeberría, Diretor Executivo da Associação da América Latina da Internet (ALAI), além da moderação de Oscar Robles, Diretor Executivo do LACNIC.
A conversa elevou os diferentes alcances destes modelos em áreas como o acesso à Internet, a neutralidade da rede e as questões financeiras, bem como as suas consequências para os diferentes atores e componentes do ecossistema da Internet, pequenos e grandes operadores, fornecedores de conteúdo, pontos de troca e, principalmente, os usuários finais.
Durante o diálogo, foi explicado que as iniciativas têm origem principalmente na União Europeia, onde as telcos exigem novos modelos que “… lhes permitam concorrer com sucesso em um mercado em que a situação financeira do sector das telecomunicações vem enfraquecendo devido a uma regulação focada na redução de preços, o que trouxe consigo uma alta competitividade…”, segundo suas próprias declarações.
Neste contexto, organizações como a ETNO (Associação Europeia de Operadores de Redes das Telecomunicações, por sua sigla em inglês) propõem alternativas como uma compensação direta por parte dos fornecedores OTT de uma determinada dimensão, soluções como a negociação individual ou coletiva direta entre ISP, telcos e OTT, contribuições para a formação de um fundo especial ou a criação de um imposto digital.
Uma das questões levantadas foi a impossibilidade de determinar a dimensão dos ISP abrangidos por estas propostas.Da mesma forma, insistiu-se em que a discussão se reduz especificamente à “taxa de uso da rede”, uma variável que muda dependendo do tipo de rede, do usuário, das tecnologias usadas, entre outros fatores.
Do outro lado, chamou-se também a atenção para a forma como este tipo de regulação afetaria os usuários finais.
Foi levantada a preocupação sobre os cenários que poderiam surgir se algum GGT não celebrasse um acordo com um operador ou, se por qualquer motivo, um pagamento acordado não fosse efetuado. Potencialmente –advertiu-se– haveria uma “fragmentação do tráfego” que poderia de alguma forma enfraquecer os princípios sobre os quais a Internet é construída. Além de pôr em risco a neutralidade da rede, a situação poderia levar a infraestruturas ineficientes e serviços de qualidade inferior para os usuários ou pagar mais pelo acesso à conexão, o que seria contraproducente para aqueles com rendimentos mais baixos.
Além da degradação dos serviços, as consequências para a América Latina poderiam ser “pacotes de dados melhorados” para aqueles que sim celebram acordos com as empresas de telecomunicações. Neste sentido, foi levantado o caso da Coreia do Sul, onde após a aprovação do regulamento de Fair Share, depararam-se com o fato de que algumas plataformas optaram por não celebrar acordos com provedores de telecomunicações e realocaram conteúdo em CDN localizados no Japão. A consequência foi um prejuízo para a experiência do consumidor, por exemplo, um aumento de mais de quatro vezes na latência para conexão a determinadas plataformas.
Da mesma forma, foi mencionada a estrutura das redes e como, hoje, as empresas geradoras de conteúdo investem dinheiro para que o conteúdo esteja disponível com ótima qualidade próximo ao usuário. Nesse sentido, um cenário de intervenção ou regulamentação acabaria prejudicando os pequenos geradores de conteúdo e desvalorizaria o investimento feito por essas empresas.
Em relação aos Pontos de Troca de Tráfego (IXP), foi destacado como hoje a região tem 15% mais de IXP e foi ressaltado como estes, juntamente com esquemas de interconexão (“Peering”) voluntários baseados em necessidades técnicas e econômicas, têm contribuído para o desenvolvimento e fortalecimento da Internet com sucesso comprovado.
Por último, foi levantada a importância de continuar as conversas com as empresas de telecomunicações e explorar outras alternativas entre os diferentes atores envolvidos.