Os riscos de “nacionalizar” a Internet
27/04/2017
As diferentes iniciativas que alguns governos implementaram, não apenas atentam contra os direitos humanos, mas também contra o desenvolvimento econômico do próprio país.
“Há governos que usam iniciativas de segurança como uma desculpa para a vigilância”, disse o CEO de LACNIC, Oscar Robles, durante um painel sobre “Privacidade e Segurança”, realizado na última reunião da Escola do Sul sobre Governança da Internet no Rio de Janeiro (Brasil).
Ele alertou que grande parte dessa informação pessoal dos cidadãos coletada pelos governos fica à mercê de hackers cibernéticos por serem os sistemas de segurança informática de armazenamento de dados muito fracos.
Em seu discurso, Robles reconheceu que, embora um dos desafios é proteger os dados pessoais nas mãos das empresas, atualmente o maior risco para a privacidade dos indivíduos na Internet é constituído pelos programas governamentais e estaduais de coleta de informações das pessoas. “Existe uma vigilância proativa e de massa da qual a gente não pode se esconder”, afirmou Robles.
O executivo de LACNIC colocou como exemplo que “mil trezentos milhões de chineses não podem renunciar a ser chineses para proteger a sua identidade e para proteger a sua liberdade de expressão (ambos dois direitos humanos), no entanto o bilhão de usuários de alguma rede social podemos sim deixar de usá-la a fim de proteger nossa privacidade, afinal não há nenhum direito humano para redes sociais, além dos benefícios que elas proporcionam às pessoas. ”
Robles alertou que os Estados estão usando iniciativas de segurança como desculpa para seus programas de sobrevigilância. Ele disse que muitas destas iniciativas soam nos ouvidos bastante plausíveis, pela obrigação do Estado de proteger a segurança nacional, de combater a pornografia infantil ou o tráfico de pessoas, no entanto, por esses programas “começamos todos a ser vigiados e observados e cada um dos nossos movimentos começam a ser registrados”.
E isso, por sua vez, acarreta outro problema. Pela fraqueza dos mecanismos de armazenamento dos dados, uma vez coletadas as informações “ficam à mercê de qualquer hacker ou gangue cibernética que vai responder ao maior lance”, garantiu o diretor executivo de LACNIC.
“Nacionalizar a Internet”. Na sua palestra, Robles também colocou no debate um fenômeno que está acontecendo em grande parte do mundo sobre o considerado direito humano número 27, a propriedade intelectual, que a seu juízo atenta às vezes contra outros direitos humanos mais fundamentais como a liberdade de expressão e o direito à privacidade. “Curiosamente, em algumas jurisdições (o direito à propriedade intelectual) atenta contra o usuário final, contra o indivíduo que não pode opinar sobre um mau serviço na Internet porque está usando a marca dessa empresa, por exemplo. A proteção da propriedade é levada ao absurdo e a pessoa não pode expressar a sua liberdade de expressão”, apontou Robles.
Ele garantiu que há regulamentos e tentativas de abordar estes reclamos governamentais de proteção à segurança e interesses privados de proteção da propriedade intelectual que atentaram contra os direitos humanos, e todos nós temos visto alguns destes esforços em tratados multilaterais.
Afirmou que essas tentativas começam a gerar uma Internet fragmentada que ele chama de “nacionalização da Internet”. “Aqui começamos a ver como há esforços avançados por nacionalizar a Internet, falo desde o ponto de vista de estabelecer fronteiras e hierarquias nacionais no tráfego da Internet”, enfatizou.
Esse caminho supõe um grande risco porque a Internet surgiu com o princípio fundamental de uma rede aberta, sem hierarquias e sem um caminho preestabelecido para que uma mensagem viaje pela rede. “Os pacotes de dados vão por onde seja mais fácil viajar, esse é um dos princípios fundamentais da Internet”, lembrou o CEO de LACNIC.
Se os estados têm sucesso em compartimentar a rede, estão afetando não só o desenvolvimento da Internet e os direitos individuais dos seus cidadãos, mas também “eventualmente, estas iniciativas irão impactar no desenvolvimento econômico dos países já que a participação das TIC na economia dos países tem um papel muito importante”, alertou Robles.
As opiniões expressas pelos autores deste blog são próprias e não refletem necessariamente as opiniões de LACNIC.