O direito de compartilhar em uma Internet livre
28/01/2021
Com o objetivo de reduzir os eventuais impactos negativos da implementação dos direitos autorais nas redes e plataformas da Internet, bem como fornecer informação a organizações e usuários para defender seus conteúdos quando forem anunciados indevidamente, a Fundação Via Livre (FVL) leva adiante o projeto “Direito de compartilhar em uma Internet Livre”.
A iniciativa obteve uma subvenção dos fundos FRIDA do LACNIC para aprofundar o trabalho em torno à liberdade de expressão no mundo digital na América Latina e Caribe.
Alexia Halvorsen, uma das responsáveis pela iniciativa, sinalizou que o primeiro passo do projeto é realizar um estudo comparativo dos âmbitos jurídicos da região e buscar a melhor forma de utilizá-los em favor do acesso à informação, fortalecendo estratégias de defesa para a livre expressão no âmbito online. Por sua vez, o projeto trabalhará com plataformas da região para refletir e promover políticas de regulação de conteúdo que sejam mais benéficas quando o assunto for respeitar o acesso à informação e cultura.
Acreditam que o direito dos usuários de compartilhar Internet sem serem punidos está por cima do copyright?
Nosso âmbito de referência é a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Nos seus diversos mecanismos de aplicação fica claro que os direitos de acesso e de participação na cultura são direitos humanos e que as políticas comerciais de propriedade intelectual não devem obstruir o exercício destes direitos. Se entendermos o direito de compartilhar cultura, notícias, comentários e informação em geral no âmbito destes direitos, fica claro que um regulamento como o do copyright não deveria operar em um sentido restritivo estrito, muito menos gerar mecanismos de censura sobre discurso legítimo protegido pela liberdade de expressão. Com este âmbito de referência, e amparados nos próprios comitês de aplicação dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais sobre os quais trabalhamos, a propriedade intelectual nunca pode estar por cima dos Direitos Humanos.
Qual o diagnóstico realizado nas plataformas sobre o conhecimento que os usuários têm de como promover o uso dos conteúdos publicados com direitos autorais?
Em geral, os usuários e usuárias ficam sabendo sobre a aplicação de normas como a DMCA (em inglês Digital Millennium Copyright Act) da pior maneira: ao receberem uma notificação de suspensão de suas contas, cancelamento de suas publicações ou cortes (seja do áudio ou do vídeo) de seus conteúdos.
Sabe-se pouco sobre como funciona a propriedade intelectual e quais são os recursos que as pessoas têm perante a sua aplicação, em particular porque as mensagens de notificação de cancelamento são intimidantes para quem não deseja se envolver em uma ação penal. Há um efeito dissuasório que faz com que muitas vezes não haja reclamação pela defesa do conteúdo legítimo. Nosso diagnóstico mostra que esta situação é cotidiana nas redes sociais. Os usuários sabem que existe o copyright, a esta altura, é difícil encontrar usuários de redes sociais que não tenham se deparado com estas políticas alguma vez na sua experiência de uso. O importante é aprender a usar os recursos que a própria legislação tem a favor do acesso. Não podemos esquecer jamais que as leis de copyright foram pensadas em sua origem para promover a cultura e não para restringi-la, como está acontecendo atualmente.
Quais iniciativas serão promovidas para conseguir maior equilíbrio entre os portadores de direitos perante usuários sem capacidade de validarem seus direitos a compartilhar conteúdo?
No âmbito deste projeto temos uma agenda variada de propostas, desde pesquisa e análise comparativa de legislações até oficinas e eventos de formação de atores chave, como jornalistas, instituições culturais, professores, entre outros.
Ao mesmo tempo vamos trabalhar com as plataformas para buscar a forma de prevenir o crescente uso de DMCA para cancelar conteúdos além da legalidade ou não de sua publicação. Os usuários abusivos de DMCA estão à espreita e é indispensável que as próprias plataformas arbitrem estratégias para prevenir estes abusos mediante melhores mecanismos de reclamação para os usuários, informação mais clara sobre os motivos dos relatórios e dar atendimento mais eficiente às petições.
Por último, vamos continuar com um trabalho importante que estamos fazendo livremente há anos, e do qual este projeto nos deu a oportunidade de retomar: impulsionar um debate legislativo para ampliar as flexibilidades aos direitos autorais na Argentina.
Como vocês acham que será o impacto deste projeto no exercício da liberdade de expressão?
Nosso objetivo é conseguir reduzir até o mínimo possível os usos abusivos de DMCA em redes e plataformas da Internet, dotar as instituições e pessoas usuárias das redes de conhecimento apropriado para defender seus conteúdos quando forem denunciados indevidamente e, finalmente, atingir um compromisso por parte das empresas de uma melhora nos processos de notificação e apelo para proteger o discurso legítimo nas plataformas. Paralelamente, trabalhar sob a convicção de que a tensão entre liberdade de expressão e copyright está mais presente que nunca e que é indispensável trabalhar para que as empresas não acabem aplicando a lei de forma maximalista, sem direito à legítima defesa por parte dos usuários.
Por que decidiram apresentar a iniciativa ao projeto FRIDA e o que vocês esperam desta experiência?
A possibilidade de apresentar um projeto ao FRIDA nos pareceu muito interessante por ser um espaço consolidado que facilita a interação e a colaboração com atores regionais do ecossistema de governança da Internet, aspecto central para impulsionar estratégias com alta probabilidade de impacto na América Latina e Caribe.
Tomara que possamos desenvolver o projeto selecionado com um alto nível de profissionalismo, junto a atores regionais de diferentes setores, desenvolvendo no processo diferentes ferramentas de treinamento, informação e proteção ao Direito à Liberdade de Expressão online.
As opiniões expressas pelos autores deste blog são próprias e não refletem necessariamente as opiniões de LACNIC.