Importância de distinguir o núcleo da Internet do que é construído sobre ela
04/12/2024
Por Hisham Ibrahim, Chief Community Officer, RIPE NCC
Este artigo foi publicado originalmente no RIPE Labs.
A Internet não é uma mídia social, nem a web, nem seu aplicativo favorito. De fato, nem é a economia digital ou as ferramentas de comunicação das que todos nós dependemos. A Internet é algo mais profundo, uma rede de redes fundacional que silenciosamente impulsionou a era digital durante mais de 40 anos.
Compreender o núcleo da Internet e distingui-lo do que é construído sobre ela é fundamental para preservar seu papel único como plataforma de inovação de uso geral e sem necessidade de permissão.
A Internet: uma rede de redes global
A Internet é uma rede de redes global e interconectada que permite que dispositivos e sistemas no mundo todo se comuniquem: uma plataforma de conectividade de uso geral que promove a inovação sem permissão por meio da interoperabilidade perfeita entre milhares de
redes, independentemente de sua tecnologia ou do fornecedor subjacente. Dessa forma, permite que pessoas e sistemas criem, compartilhem e acessem informações com um nível de liberdade sem precedentes, abrindo um potencial infinito para a inovação e a comunicação.
O núcleo da Internet compreende os protocolos, serviços e estruturas de governança necessários para fornecer conectividade global de ponta a ponta. Estes elementos estabelecem a base técnica que suporta a disponibilidade da Internet e permitem outras aplicações baseadas na Internet.
A web: um aplicativo revolucionário, mas não a Internet
A World Wide Web é um dos aplicativos mais transformadores já desenvolvidos. Desde sua criação no início da década de 1990, ela permitiu a troca de informações, a colaboração e a inovação em escala global. Sua simplicidade e abertura fizeram dela uma das formas mais populares de as pessoas experimentarem e usarem a Internet.
A necessidade diária de tudo isso talvez não tenha sido totalmente apreciada até o surto da COVID-19, quando o acesso à web e seus aplicativos se tornou essencial para que as pessoas pudessem trabalhar, aprender e permanecer conectadas desde seus lares. Essa dependência demonstrou o valor da web para a conexão e produtividade humanas, mas há que lembrar que a web é construída sobre a Internet: ela não é a Internet em si. A web é uma camada poderosa de aplicativos e conteúdo, habilitada graças à Internet, embora separada dela.
A ascensão das economias digitais e as ameaças cibernéticas que elas atraem
A Internet possibilitou o desenvolvimento de economias digitais inteiras, desde o comércio eletrônico e a tecnologia financeira até as mídias sociais e os aplicativos de trabalho remoto. Esses avanços trouxeram benefícios profundos, estimulando o progresso socioeconômico e criando novos caminhos para a comunicação e o comércio. No entanto, eles também apresentam desafios inerentes à segurança cibernética. Cada vez surgem mais soluções digitais desenvolvidas sobre a infraestrutura da Internet, e estas se tornam alvos de ameaças cibernéticas como filtrações de dados, ransomware e ataques de phishing.
No entanto, esses riscos de segurança cibernética geralmente afetam os aplicativos, serviços e dispositivos que funcionam sobre a Internet, não o núcleo da Internet em si. A natureza aberta e de propósito geral da Internet permite que qualquer pessoa crie e implemente aplicativos, mas também exige que os desenvolvedores e as organizações assumam a responsabilidade de proteger suas próprias soluções digitais. Assim, as vulnerabilidades que dão origem às ameaças cibernéticas existem principalmente nas camadas de aplicação, e não na estrutura fundacional da Internet.
Com o objetivo de fortalecer a segurança do núcleo da Internet, a comunidade técnica da Internet identifica e desenvolve continuamente padrões e protocolos como DNSSEC (Extensões de Segurança do Sistema de Nomes de Domínio), TLS (Segurança da Camada de Transporte) e RPKI (Infraestrutura de Chave Pública de Recursos). Esses padrões ajudam a proteger os serviços básicos que a Internet precisa para funcionar, ao mesmo tempo que melhoram a integridade, a privacidade e a autenticidade dos dados trocados através das redes. Ao definir e adotar esses padrões de segurança, a comunidade técnica trabalha ativamente para proteger o núcleo da Internet, garantindo uma base mais resiliente e confiável para as soluções digitais que dependem dela.
Os riscos de confundir a Internet e as camadas de aplicação nas políticas
Com o aumento das tensões geopolíticas, é compreensível que os governos estejam colocando mais foco em medidas de segurança cibernética e resiliência. Isso levou ao aumento da regulamentação e do envolvimento das autoridades competentes. Se esses organismos não estiverem bem informados sobre essas distinções técnicas, há um risco maior de que na formulação e implementação de políticas se confundam a Internet e as camadas de aplicação.
Um dos maiores desafios hoje é a falta de compreensão do papel e da estrutura da Internet dentro dos domínios de formulação de políticas e regulamentação. Nas discussões sobre políticas, termos como “Internet”, “web”, “digital” e “cibernético” são frequentemente usados de forma intercambiável, levando a regulamentações que confundem a infraestrutura básica da Internet com os aplicativos que se executam sobre ela.
Compreender esta distinção é fundamental para que as políticas e regulamentações sejam eficazes. Embora os riscos de segurança precisem de ser abordados, as soluções políticas devem centrar-se em proteger as camadas específicas que estão em risco e não apontar ao núcleo da Internet. Os esforços para regulamentar a própria Internet correm o risco de minar a inovação, a abertura e a resiliência sem a necessidade de permissões que a definam.
Os governos também enfrentam hoje o desafio de equilibrar estes riscos de segurança com a necessidade de avançar nas suas agendas digitais nacionais ou regionais. As nações estão se esforçando para manter os seus ambientes digitais abertos aos negócios e promover novas oportunidades econômicas, uma vez que os aplicativos digitais construídos sobre a Internet prometem benefícios econômicos e crescimento significativos. No entanto, essas promessas trazem novos riscos. Alcançar este equilíbrio é fundamental, mas não deve ser feito à custa de comprometer a interoperabilidade global da Internet, que foi o que permitiu tudo isto desde o início.
Estes mal-entendidos podem levar a políticas exageradas que tentam resolver problemas específicos de aplicativos ou serviços digitais específicos, regulando a própria Internet. Uma abordagem regulatória que tenha como alvo a Internet como um todo, em vez de se focar nas camadas específicas construídas sobre ela, corre o risco de comprometer a sua abertura, segurança e capacidade de evolução.
As opiniões expressas pelos autores deste blog são próprias e não refletem necessariamente as opiniões de LACNIC.