Recalculando: Por que os bloqueios dos sites não são efetivos e qual seria o caminho a seguir diante de conteúdo ilegal

16/03/2023

O bloqueio de sites de Internet diante de atividade ilícita esconde uma lógica pouco útil que não soluciona os problemas de fundo, e pode atingir de forma errada a terceiros, gerando um alto custo administrativo.

Ignacio Estrada, Gerente de Relações Estratégicas do LACNIC

Normalizar o bloqueio de sites na Internet na hora de limitar um ato ilícito ou conduta é ignorar as consequências que estas ações podem acarretar para os clientes e usuários da região.

No LACNIC queremos destacar que, se bem é possível tecnicamente bloquear um site para uma rede, esta tarefa não é simples e a probabilidade de que suas consequências tenham resultados indesejados cresce à medida que aumenta o número de operadoras envolvidas, principalmente se estas últimas estiverem distribuídas em diferentes territórios ou circunscrições.

Em geral, existe a suposição errada de que bloquear o acesso a um site ou aplicativo na Internet é um processo muito simples, mas por detrás, existe uma realidade muito mais complexa.

Vamos pensar, por exemplo, em casos frequentes de bloqueios: um domínio mediante o qual dá para acessar a um site cujo conteúdo infringe propriedade intelectual, permitindo apostas online. Nestes casos, acredita-se que ao bloquear esse domínio, o site deixará de ser visível na Internet, mas a realidade é que os sites podem possuir mais de um domínio registrado. Se eu bloquear algum, talvez existam outros domínios por onde acessar a esse site.

O problema aumenta, por não ser totalmente efetivo o bloqueio do domínio, o seguinte passo é ir ao servidor no qual o domínio está hospedado. O servidor utiliza pelo menos um IP para se conectar à Internet, então a decisão é bloqueá-lo. O que acontece é que cada servidor pode hospedar milhares de websites: se bloquearmos esse IP, corremos o risco de bloquear todos os sites desse servidor, incluindo os da empresa, governos, entidades sem fins lucrativos, etc.

Por outro lado, não devemos perder de vista que o site poderia estar localizado em servidores de diferentes lugares do mundo, portanto o bloqueio a nível servidor (IP) poderia se estender a milhares de sites que não têm nada a ver com o assunto em questão.

Por que os bloqueios não são efetivos?

No LACNIC destacamos que existem fortes argumentos para garantir por que a política de bloqueios não surte o efeito desejado.

  • O bloqueio possui alto risco de prejudicar sites e redes de terceiros não envolvidos.

Esta falta de conexão involuntária de sites de terceiros é um dos riscos mais importantes dos bloqueios. Muitas vezes, perante um pedido de bloqueio, os juízes mandam bloquear não apenas um IP, mas também uma faixa e talvez nessa faixa estejam inclusos endereços de redes que foram atingidas sem necessidade alguma.

No final de agosto de 2022, a equipe de atendimento ao cliente Cloudflare começou a receber reclamações de que os sites de uma rede tinham parado de funcionar na Áustria, mas a interrupção do serviço não era consequência de um problema técnico, mas sim de uma ordem judicial: um tribunal austríaco tinha ordenado aos provedores de serviços de Internet (ISP) austríacos bloquear 11 dos endereços IP de Cloudflare. Ao tentarem bloquear 14 websites que segundo alguns proprietários de direitos de autor violam estes direitos, o bloqueio de endereços IP determinado pelo tribunal deixou inacessível, durante dois dias, milhares de websites para os usuários de Internet da Áustria em geral.

  • Não resolve o problema de fundo

O bloqueio não garante a eliminação do conteúdo ou atividade ilegal que possa existir por detrás de um website e não oferece uma solução real ao problema que está tentando se resolver: o conteúdo não é removido e o que se interrompe é apenas uma rota de acesso a ele.

É por isso que o bloqueio pode ser eludido em curto tempo por infratores. Os “especialistas” no mau uso e os cibercriminosos estão preparados para resolverem seu problema quase imediatamente, migrando para outros endereços IP ou para nomes de domínio em outras circunscrições e/ou provedores (em muitos casos), uma vez que já possuem de antemão estas alternativas preparadas.

Isso gera uma dinâmica complexa e pouco efetiva: investe-se energia e recursos em manter bloqueado o site com uma lógica de “soluções temporais” que não chegam à raiz do problema.

Desta forma, corre-se o risco de converter a Internet em uma superposição de bloqueios pouco úteis que são facilmente driblados e sem a solução efetiva que seria identificar a/as pessoa/s que estão cometendo o crime.

3-Gera uma enorme carga administrativa para todos os envolvidos

Os bloqueios geram um custo administrativo enorme, tanto para os governos que mantêm as listas de bloqueios quanto para os provedores de Internet, principalmente para os menores.

Leva muito tempo recuperar os serviços afetados que não cometeram crime algum. A dinâmica do bloqueio é rápida, mas o processo inverso é tedioso; por exemplo, o regulador deverá notificar os ISP e depois conferir o cumprimento, manter uma lista pública de sites bloqueados e lidar com as reclamações (administrativas e econômicas) de quem for bloqueado indevidamente.

4-Representa a porta de entrada para limitação de direitos humanos

As solicitações de bloqueio como medidas cautelares poderiam se tornar no estopim que atinge a liberdade de expressão e o direito à informação das pessoas.

Bloqueios sob lupa

Na hora de considerar o bloqueio de um website, no LACNIC acreditamos que é necessário levar em conta que qualquer medida que procure regrar o uso da Internet deve atender critérios amplos que promovam a inovação e o desenvolvimento de novos usos e serviços na rede, critérios definidos com um modelo de participação que inclua vários voluntários.

Em vista disso, as orientações que oferecemos se resumem em quatro itens:

  • Não utilizar o bloqueio como primeira opção para remover conteúdo ilegal.
  • Consultar todas as partes interessadas antes de avançar com um regulamento que previna o bloqueio de sites. A partir desse momento, é necessário considerar que as urgências diferem em relação ao tipo de conteúdo, não é a mesma coisa a transmissão de conteúdo ao vivo que um site de apostas on-line.
  • Se o único caminho for o bloqueio, bloquear somente os recursos (o domínio ou o IP) temporalmente, em coordenação com a área técnica da entidade que for realizada a solicitação (ISP).
  • Contar, em todo momento, com o assessoramento de especialistas técnicos da instituição ou melhor ainda, de um grupo diverso de ISP, operadoras e instituições afins para a coordenação e atendimento destes incidentes.

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