Consequências inesperadas do bloqueio de sites na Internet

30/09/2019

Consequências inesperadas do bloqueio de sites na Internet

Quando o bloqueio dos sites na Internet é constituído como a alternativa comum para limitar uma conduta, é necessário conhecer suas implicações. Estas podem ser tanto a desconexão involuntária e intermitente de algum site de terceiros como a inabilitação total de redes de operadores de qualquer território, podendo estender-se a toda uma nação. De qualquer forma convém salientar que habitualmente as consequências destas ações podem chegar a ser despercebidas pelos clientes e/ou usuários dentro e fora da região.

É comum observar casos onde existem restrições quanto ao uso e/ou acesso à Internet, seja mediante o bloqueio de seus sites ou domínios, ou limitando o uso de conteúdos que produzem uma fragmentação da Internet. Como consequência, estas ações provocam complexidades técnicas que prejudicam os usuários que acessam a diferentes serviços nas redes de conteúdo.

Bloqueios

Quando falamos de bloqueio de redes pensamos em “filtrar” o uso e/ou o acesso à Internet por parte dos usuários. Entretanto, existem diferenças, já que “bloquear” frequentemente refere-se ao impedimento do acesso aos recursos no agregado e “filtrar” refere-se a prevenir o acesso aos recursos específicos dentro de um agregado.

Há inúmeros documentos que descrevem algumas técnicas para a realização dos bloqueios, sejam eles baseados no protocolo e no endereço IP, em fiscalização profunda de pacotes (Deep Packet Inspection), em vínculos URL, em plataformas de busca, em DNS, etc. No entanto, cada bloqueio ou crivo pode acarretar ações que afetam local ou regionalmente a outros serviços ou usuários.

Implicações técnicas do bloqueio de sites  

Se bem, tecnicamente é possível bloquear um site para uma rede, esta tarefa gera repercussões despercebidas à medida que cresce o número de redes e o número de operadores envolvidos. E se as redes e/ou operadores se encontrarem distribuídos em diferentes territórios ou circunscrições, trata-se de algo ainda mais complexo.

Para bloquear um website é comum achar que é possível fazê-lo pelo seu nome (de domínio), pelo endereço numérico (endereço IP) ou pela combinação de ambos (domínio e endereço IP relacionados). A realidade é significativamente mais complexa, já que um site ou página web é composto por múltiplos objetos, muitos dos quais podem responder a diferentes nomes de domínio e/ou estarem alocados em diferentes endereços IP.

Da mesma forma que um website pode estar composto por múltiplos objetos alocados em diferentes endereços IP, também existe a situação inversa, ou seja, endereços IP que individualmente hospedam múltiplos websites. É o caso principalmente das companhias conhecidas como “Provedores de Hosting” e as “Redes de Alocação de Conteúdo” (CDN por suas siglas em inglês). Nestes casos, bloquear um endereço IP de um Provedor de Hosting ou de uma CDN pode implicar no bloqueio de centenas ou milhares de websites que nada têm a ver com o objetivo inicial.

Na hora de considerar o bloqueio de um website, o provedor do serviço de Internet deve levar em conta os fatores mencionados anteriormente.

As técnicas de bloqueio de endereços IP acarretam riscos para a rede do próprio operador, já que, caso necessitem bloquear endereços que absorvam grandes volumes de tráfego, os equipamentos da rede do operador bloqueante podem chegar a verem ressentido o funcionamento de sua rede e de todos aqueles operadores que interagirem com esse operador bloqueante.

O mesmo acontece quando se pretende bloquear um site para redes que envolvam a mais de um operador. Neste caso, poderiam estar bloqueando redes completas de entidades que favorecem o funcionamento adequado da Internet a nível global, tanto no território atingido quanto dentro da rede dos operadores envolvidos. Serviços tais como DNS públicos e privados (servidores de tradução de nomes de domínio a endereços numéricos, necessários para o funcionamento da Internet a nível global) poderiam se ver completamente comprometidos ou bloqueados.

Menção especial merece o nível de efetividade que o bloqueio de sites poderia ter, quer seja mediante o endereço IP, quer seja pelo nome de domínio. Ironicamente a maioria das organizações que de forma legítima mantêm seus websites, poderiam levar dias para se recuperarem de um bloqueio; mas são precisamente as organizações que estão em constante litígio junto aos tribunais por supostas infrações à propriedade intelectual ou outras condutas criminosas, as que estão melhores preparadas para que em questão de horas (ou minutos em alguns casos) possam se recuperar destes bloqueios. Além disso, uma vez que tenham sido alvo do bloqueio de seus endereços IP ou de seus domínios principais, facilmente podem mudar para outro centro de dados ou para outro provedor em outra circunscrição e/ou obter em questão de minutos outro nome alocado em um endereço IP diferente, deixando sem efeito o bloqueio original de seu site. Porém, é provável que deixem rastros de efeitos colaterais inadvertidos a entidades legítimas em toda a Internet, por conta de uma instrução ou execução do bloqueio sem a perícia adequada. 

Implicações não técnicas do bloqueio de sites

Não apenas devemos considerar as implicações técnicas na hora de bloquear sites. Como foi dito anteriormente, quando se tenta bloquear um site através do endereço IP este pode trazer como consequência o bloqueio despercebido de centenas ou milhares de websites não relacionados ao site que se quer bloquear, o qual pode entrar em conflito com preceitos constitucionais ou leis de maior relevância que promovam a proteção da liberdade de expressão e direito à informação.

Devemos ponderar que nesses sites podem estar se hospedando, além de iniciativas comerciais, sites governamentais (sites da presidência, de arrecadação de impostos, de direitos à informação, etc.), sites de organizações sem fins lucrativos, entre outros que, provavelmente, causem um maior impacto ao cidadão.

Mesmo assim, devemos levar em conta que as redes não necessariamente obedecem a circunscrições concretas. Portanto o bloqueio que for solicitado a um operador pode não aplicar em todo o território pretendido (no melhor dos casos), bem como exceder o território ao qual o bloqueio está orientado, deixando a milhares de usuários da Internet, com direito a acesso, sem a possibilidade de ver o referido site.

O LACNIC considera que, em nenhum dos casos o bloqueio de sites deveria obedecer a medidas preventivas por conta de um processo judicial. Como já vimos, as implicações técnicas podem ser catastróficas para o funcionamento de uma rede ou grupo de redes, portanto a decisão de bloquear deverá obedecer a um devido processo finalizado que permita identificar o bloqueio como a única medida possível, uma vez que forem esgotadas todas as possibilidades e avaliadas todas as implicações. Além dos riscos mencionados anteriormente, de que um site seja bloqueado como medida preventiva (em certas ocasiões a pedido do autor que iniciou a ação por suposta violação dos direitos à propriedade intelectual) poderia resultar também em que o processo judicial se estendesse de forma indeterminada, e que o autor obtivesse o resultado de uma lide não concluída, fazendo com que fique inutilizável esse conjunto de endereços IP para qualquer usuário da Internet, prejudicando assim, a operadores legítimos de redes e sites de Internet de terceiros que possam ser atingidos com esse mesmo endereço IP (ou endereços IP).

Mesmo assim, as solicitações de bloqueio como medidas preventivas ordenadas por autoridades administrativas, a diferença daquelas medidas como resultado de um determinado processo judicial, podem constituir em uma vertente para atentar contra alguns direitos humanos e/ou civis, como já aconteceu em algumas jurisdições onde grandes corporativistas marcários têm abusado destes mecanismos junto a autoridades administrativas (marcárias ou de direitos autorais) para cancelar sites que criticam um produto ou uma marca  dos referidos corporativistas, argumentando uso ilegal de marcas ou  de direitos autorais, quando na verdade o pano de fundo é evitar a crítica a um de seus produtos ou serviços.

Por último, as consequências não técnicas do bloqueio de um site, utilizando o nome do domínio, radica primordialmente na ineficácia da medida. Havíamos mencionado que um site pode responder a diferentes nomes de domínio. Então, poderia ocorrer o caso de que um mesmo website responderia por múltiplos nomes, com o qual o bloqueio de um desses nomes não impediria o acesso ao website através dos outros nomes não bloqueados. Isso requer uma análise exaustiva que identifique todos os nomes para os quais responder a um site em particular, ampliando assim as possibilidades de que alguns dos referidos nomes não tenham relação com a suposta ofensa/falta.

Em nenhum dos casos resulta apropriado o bloqueio por tempo indeterminado dos sites mediante o seu nome de domínio (URL) ou endereço IP. Se esta fosse a única medida para desalentar ou impedir uma conduta criminosa, dito bloqueio deveria vir acompanhado de um determinado prazo de vencimento.

Por conta da aplicação reiterada destes mecanismos de bloqueio, gera-se um ambiente de restrição que pode estar desatrelado das estratégias nacionais de promoção da economia digital, da inovação e do empreendedorismo, e isso acarreta o desperdício dos recursos econômicos, pois enquanto são promovidas todas estas estratégias, por outro lado, são desalentadas por conta dos bloqueios despercebidos pelas iniciativas legítimas.

Conclusão

Bloquear ou filtrar Internet pode resultar uma medida improcedente, uma vez que, além de provocar efeitos diretos e indiretos no uso e/ou acesso da Internet, não dão uma solução real ao problema que estão tratando de resolver.

Os bloqueios e/ou filtros não garantem a eliminação de conteúdo, nem de qualquer tipo de atividade ilegal, muito pelo contrário, seus conteúdos e usos podem se reproduzirem em outras plataformas, podendo até serem “evadidos” mediante técnicas ou acesso de ferramentas disponíveis na rede.

Consideramos que es necesario que los formuladores de políticas de nuestros países tomen en consideración el carácter abierto e interoperable de Internet ante medidas de esta magnitud y que sus acciones estén alineadas a estrategias nacionales en el ámbito digital.

Consideramos necessário que os formuladores de políticas de nossos países levem em conta o caráter aberto e interoperável da Internet perante medidas desta magnitude, bem como que suas ações estejam alinhadas a estratégias nacionais no âmbito digital.

No Registro de Endereços de Internet para a América Latina e o Caribe (LACNIC) consideramos que qualquer medida que procure normatizar o uso da Internet, deve responder a critérios amplos que promovam a inovação e o desenvolvimento de novos usos e serviços na rede, critérios definidos com um modelo de participação de Múltiplas Partes Interessadas e não da aplicação direta de regulamentos intrusivos que o restrinjam.

Referências