Governança da Internet: “há questões que preocupam particularmente à região”

09/07/2013

Com o objetivo de consolidar a Internet como motor de crescimento e desenvolvimento sustentável, a região está se preparando para discutir as questões mais urgentes da Governança da Internet, com abordagens específicas às novas realidades que afetam a América Latina e o Caribe.

Os assuntos globais e os que “mais preocupam à região” serão analisados no encontro a ser realizado na cidade de Córdoba, no fim de agosto, durante a Sexta Reunião Regional Preparatória para o Fórum de Governança da Internet, disse Fátima Cambronero, membro do Grupo Assessor Multistakeholder  (MAG) das Nações Unidas e a ONG AGEIA DENSI, anfitriã da reunião.

Fátima garantiu em diálogo com o LACNIC News que esse espaço de debate, em que cada um dos atores envolvidos compartilham suas ideias, opiniões e preocupações desde suas próprias perspectivas, vai servir para evidenciar novas abordagens sobre aspectos relativos à Governança da Internet particulares da região.

 

Quais vão ser os assuntos centrais da Sexta Reunião Regional Preparatória para o Fórum de Governança da Internet a ser realizado em Córdoba?

Ainda não podemos confirmar exatamente quais vão ser os assuntos centrais a serem abordados na próxima reunião do LACIGF porque essa Reunião Regional Preparatória tem a particularidade de definir as questões a serem apresentadas para discussão através de uma consulta aberta à comunidade da América Latina e o Caribe.

No entanto isso, sabemos que, como tem sido feito todos esses anos, será estruturada com base em certos assuntos fundamentais, que são os mesmos em torno dos que também é estruturado o IGF global.

Esses grandes assuntos são: acesso e diversidade; segurança, privacidade e abertura; recursos críticos da Internet; governança de Internet para o desenvolvimento e assuntos emergentes.

Cabe mencionar que neste ano no Grupo Assessor Multistakeholder (MAG), que é o encarregado de assessorar o Secretário Geral das Nações Unidas para a realização do Fórum de Governança da Internet (IGF), esses assuntos que tradicionalmente fizeram parte de sua agenda, têm sido um pouco modificados. A resolução do MAG estabeleceu os seguintes assuntos para o IGF 2013:

– Acesso e diversidade – A Internet como um motor de crescimento e desenvolvimento sustentável

– Abertura e privacidade – Direitos humanos e Internet

– Segurança – Marcos legais e outros: spam, hacking e cibercrime

– Gerenciamento dos Recursos Críticos da Internet – Princípios de cooperação multissetorial e cooperação reforçada

– Princípios para a governança da Internet

Além disso, neste ano a consulta pública vai abrir a possibilidade de que a comunidade regional da Internet proponha assuntos que não necessariamente fazem parte da agenda do IGF global.

Dentro desses grandes temas do IGF, há subtemas que são de particular importância para nossa região e, provavelmente, surjam como questões que deverão ser discutidas na próxima reunião. Os temas relativos à segurança e especificamente à cibersegurança, o combate ao spam, o cibercrime, as condutas ilícitas em meios on-line, a cooperação internacional entre os Estados para combatê-los, continuam vigentes na agenda de nossa região.

As questões relativas à privacidade nos meios on-line e a proteção de dados pessoais, principalmente para os usuários das redes sociais, também é motivo de preocupação na nossa região. No último tema foram incorporadas as preocupações em relação à conservação e proteção de dados pessoais quando quem os armazena é o Estado. A comunidade se pergunta o que o Estado faz com esses dados, se é capaz de cruzá-los com outras bases de dados sob o desconhecimento do titular dessas informações, e obviamente sem outorgar sua permissão para fazê-lo. Também são acrescentadas as preocupações dos cidadãos sobre os controles biométricos de dados que aderiram recentemente vários países da nossa região.

Isso de alguma forma guarda relação com o objetivo pelo qual trabalhamos muitas organizações de nossa região, e obviamente também do mundo todo, para preservar uma Internet aberta, global, interoperável, democrática e acessível. Colocando em risco esse princípio, o de manter uma Internet aberta, surgem temas que certamente serão motivo de debate, e que já são motivo de preocupação na nossa região como a neutralidade da rede, a liberdade de expressão na Internet e os direitos humanos.

Também acredito que vai continuar a discussão sobre a adoção do IPv6 que, mesmo havendo bastantes avanços na região ainda não é um assunto esgotado. O LACNIC está fazendo um excelente trabalho de conscientização acerca da necessidade de transitar desde o IPv4 até a nova versão do protocolo e está colaborando com a sua implementação, pelo que com certeza vai estar também na agenda de discussão.

Questões como a redução do fosso digital, o plurilingüismo na Internet, o respeito pelas diversidades de todo tipo na rede, o desenvolvimento de conteúdo local, o estabelecimento de Pontos de Troca de Tráfego (IXP), a Internet móvel, os direitos de propriedade intelectual e o Acordo de Associação Trans-pacífico (TPP) no que se encontram envolvidos alguns países da nossa região, também vão nutrir a agenda de debate na próxima reunião.

Há problemas mais urgentes do que outros?

Não sei se chamá-los mais urgentes. Sim diria que há alguns assuntos que preocupam particularmente a nossa região e que nos diferenciam das outras regiões ou das outras iniciativas nacionais ou regionais do IGF. É por isso que considero muito importante dispor desse espaço, um espaço de debate em que cada um dos atores envolvidos desde suas próprias perspectivas, possa compartilhar suas ideias, opiniões, preocupações e boas práticas sobre os assuntos a serem incluídos na agenda.

Também é importante mencionar que o LACIGF compartilha o espírito do IGF global pelo que nesse espaço não é tomada qualquer decisão ou recomendação, muito menos se está procurando desenvolver algum tipo de regulamentação sobre a Internet. É principalmente um fórum de discussão em que são tratados assuntos que não são tratados em outros fóruns ou espaços. Isso que para alguns atores é visto como um defeito, para outros é a principal fortaleza desse espaço.

Na reunião do LACIGF do ano passado foram identificados como emergentes pela comunidade regional da Internet os seguintes assuntos:

-WCIT-ITRs: seu impacto na governança da Internet regional e global.

-Princípios para a governança da Internet (mecanismos de governança pluralista da Internet a nível global; transparência e prestação de contas na governança da Internet global; participação multissetorial).

-Promoção, respeito e defesa de liberdades e direitos humanos na Internet (padrões de liberdade de expressão na Internet; censura e vigilância; liberdade de associação pacífica on-line, privacidade).

-Internet móvel (regulamentação – custos, qualidade; conteúdos para dispositivos móveis).

-Neutralidade da rede (riscos e ameaças desde o setor privado e os governos).

-A Internet como bem público.

-Impacto das TIC sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas e sua relação com a governança da Internet.

Com certeza muitos desses assuntos vão surgir novamente na consulta à comunidade para serem incluídos na agenda do evento.

A região se envolve nos assuntos da governança da Internet ou seria necessária uma maior participação dos diferentes atores?

Sim, em geral, podemos dizer que a região está envolvida em questões de Governança da Internet. E contamos com pessoas de nossa região que são consideradas referentes em vários desses assuntos e que atualmente estão desempenhando importantes papeis dentro do ecossistema da Internet.

Se a gente se pergunta se falta participação de alguns atores, a resposta é sim. Precisamente por ser o LACIGF um espaço de discussão e não de tomada de decisões é que para alguns atores a participação não é muito atraente. E porque, além disso, o LACIGF segue os princípios do IGF global em que as diversas partes interessadas devem participar em pé de igualdade, é que os governos, por exemplo, tiveram dificuldade de se adaptar a esse novo formato de reuniões. Os governos estavam acostumados às reuniões desenvolvidas dentro do âmbito das Nações Unidas o que provocou nos começos desses fóruns várias discussões sobre onde ia se sentar cada representante. Felizmente isso agora é só anedótico e os governos estão compreendendo cada vez mais a importância de participar, não apenas nas reuniões da ONU, mas também nesses espaços.

Na nossa região, a participação dos governos e do setor privado no LACIGF ainda é baixa, portando devemos continuar trabalhando nisso. Que esta seja a sexta edição que irá desenvolver este encontro regional é uma forma de demonstrar a importância que a comunidade em geral está dando este tipo de fóruns. Isso também é útil para que os governos compreendam a necessidade de participar deles e não ficar por fora das discussões.

Qual é a sua visão sobre a participação dos governos na Governança da Internet?

A participação dos governos na Governança da Internet é importante. Mas é tão importante quanto a participação da sociedade civil, da comunidade técnica e acadêmica, do setor privado. Nem mais nem menos importante, igual. Muitas vezes comparamos a governança da Internet com um ecossistema. E para que esse ecossistema seja mantido de uma forma saudável, é necessário que todas suas partes funcionem de maneira uniforme dentro desta grande engrenagem.

Cada um desses atores aporta os conhecimentos, experiências, ferramentas, boas práticas, que o outro ator não possui. Isso enriquece todo o debate que ocorre em torno desta grande malha que forma a governança da Internet.

Dar mais poder aos governos dentro dessa estrutura faz com que o ecossistema se desequilibre e aconteçam coisas como o “blecaute” da Internet para um país inteiro ou perseguições e ataques à liberdade de expressão, pelo que muitos de nós tentamos impedir.

Então, qual você acha que é o modelo a seguir?

Definitivamente acredito que o modelo a seguir dentro da governança da Internet é o modelo “multistakeholder”, isto é, com a participação dos múltiplos atores e sectores interessados nesses assuntos. E a participação desses atores nos processos de tomada de decisões (não é o caso do IGF ou do LACIGF que é um espaço de discussão) deve estar em pé de igualdade (ou o mais próximo possível a ela), evitando que sejam usados alguns desses atores apenas para legitimar o modelo.

Continuar trabalhando para preservar este modelo e por uma Internet aberta, democrática e cada vez mais acessível é responsabilidade de todos nós porque somos os únicos que realmente nos beneficiamos de uma Internet com essas características.

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