Desafios e oportunidades de conectar um país mediterrâneo
16/10/2024
Por motivos geográficos, a Internet nem sempre é acessível de forma direta em todos os países. Os chamados “mediterrâneos” (ou seja, aqueles que não têm costa) não podem ter pontos de acesso direto às Landing Stations e aos cabos submarinos, estrutura fundamental para manter e suportar a conectividade entre países e continentes.Nestes casos precisam de infraestrutura terrestre de países vizinhos com costa marítima para chegar aos cabos submarinos.
Na região, países como o Paraguai e a Bolívia enfrentam essa situação. No entanto, usar infraestrutura de países vizinhos para conectar-se aos cabos submarinos gera desafios, o que proporcionou o marco para “Conectando um país mediterrâneo”, painel do LACNIC 42 realizado em Assunção (Paraguai), que contou com a presença do Ministro das Tecnologias da Informação e Comunicação (MITIC) do Paraguai, Gustavo Villate; Walter Godoy, COO do ISP Giganet SA; Victor Talavera, representante da TIGO e Carlos Sanabria, do Ponto de Troca de Tráfego da Bolívia (PIT Bolívia); moderados por Uesley Correa, CEO da Telecom ISP Solutions.
Correa começou explicando que no caso do Paraguai, o aumento no número de usuários de 2019 a 2024 foi de 31,7%, mas que ainda 1,29 milhões de pessoas nesse país não tinham acesso à Internet no início de 2024. Os números sugerem que cerca de 18,7% da população ainda não está conectada, uma situação que exige “continuar trabalhando para acabar de uma vez por todas com essa exclusão digital”. O contexto de conectividade paraguaio se completa com um crescimento na velocidade de banda larga de cerca de 60% entre 2022 e 2024.
Visando inspirar outros países a continuarem aumentando os níveis de conectividade mesmo sem acesso ao mar, o Ministro Villate expressou que o principal desafio do Paraguai é gerar as condições para que os investimentos particulares cheguem ao país, o que se consegue basicamente “incentivando o setor privado a continuar fortalecendo as redes que conectam os cabos submarinos”, destacou e acrescentou que hoje o país tem saídas por diferentes pontos da Bolívia, Argentina e Brasil. “O desafio é também reduzir os custos porque por ter um trecho que atravessa outros países, há diferentes taxas e impostos. O objetivo é melhorar ainda mais o relacionamento com as nações vizinhas para ter um melhor acesso à conectividade”, concluiu.
Villate acrescentou ainda que estão promovendo uma modernização da Lei de Telecomunicações ao mesmo tempo que avançam na extensão das licenças que as operadoras recebem, principalmente em relação ao 4G e 5G. “Isso ajuda muito nas implantações de última milha, principalmente em locais onde é difícil chegar com fibra óptica. Do outro lado, estamos trabalhando em um projeto de lei de infraestruturas que nos permita superar os obstáculos que temos em municípios onde normalmente encontramos barreiras de taxas ou impostos para implementar tanto fibra óptica quanto sem fio”, apontou e destacou que no nível regional é necessário focar em uma agenda digital que priorize a melhoria da infraestrutura e impacte na economia digital regional como um todo.
Talavera, por sua vez, lembrou que há alguns anos o problema do Paraguai era depender de “quão boas eram as condições de infraestrutura dos países vizinhos” e também enfatizou que tempo atrás predominava a concorrência entre os ISP, mas hoje o foco está na concorrência e na colaboração: “O mercado pede mais e melhor conexão, tudo isto faz com que falemos de um ecossistema muito mais saudável onde todos os players locais devem melhorar a disponibilidade e o número de enlaces que têm com o exterior. Além disso, estamos achando estratégias para que o conteúdo permaneça no país”, destacou.
Nesse sentido, Talavera considerou que o centro de dados é um player “muito importante e silencioso”.Embora nem a geografia nem a distância vão mudar, as estratégias para aproximar o conteúdo ao cliente vão mudar, sim. “Nesse espaço, o papel do centro de dados é fundamental porque o conteúdo permanece no território nacional de forma segura, fruto dos elevados padrões e certificações de segurança. Ao mesmo tempo, são atraídos grandes players de conteúdo como o Google e Facebook, que buscam melhorar a experiência do cliente e o acesso ao próprio conteúdo”.
Por sua vez, Godoy afirmou que depender da conectividade dos países vizinhos e usar parte da sua infraestrutura “gera questões como tempos de resposta e problemas de conectividade, por isso é necessário mais investimento para ter mais opções”. O executivo explicou que “foram a primeira empresa que teve a coragem de apostar e investir para estabelecer uma infraestrutura e chegar ao maior número de áreas possível” e que ao longo do caminho encontraram obstáculos como custos operacionais e problemas de licenciamento.
Do outro lado, Godoy destacou que em 2016 foram uma das primeiras empresas privadas fora da telefonia a ter conectividade de fibra óptica com o Brasil através do Rio Paraná. “Hoje temos quatro conexões com o Brasil e há um ano fizemos nossa primeira conexão com a Argentina. Alguns meses atrás fizemos uma segunda conexão com este país especificamente para um projeto de IXP e estamos em negociações para fazer uma interconexão com o PIT Chile”.
Por sua vez, e para dar um exemplo da situação na Bolívia, Sanabria explicou que a rede de fibra óptica só tinha 3000 km até há poucos anos, mas hoje um só dos operadores tem quase 30.000 km. “Pode parecer bastante, mas no nosso país temos 32 mil localidades e apenas 25 mil são atendidas enquanto até dois anos atrás víamos que quase mais de 3 milhões de habitantes não tinham cobertura móvel”, comentou. Por último, enfatizou que o IXP é “infraestrutura crítica para o funcionamento e estabilidade de todos os serviços conectados à Internet, principalmente nas diferentes e desafiadoras geografias que a Bolívia possui”, além de gerar “uma economia operacional significativa”.
Assista a gravação desta sessão acontecida em Assunção no LACNIC 42- LACNOG 2024 no link a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=vdVwkYrycLA