A luta por maior presença feminina nas enciclopédias do SXXI

29/11/2018

A luta por maior presença feminina nas enciclopédias do SXXI

Contar os fatos na Internet com vozes femininas para tentar reduzir a lacuna de gênero. Isso foi proposto por um grupo de mulheres da Wikimedia México, dando origem ao que hoje conhecemos como Editatona, uma maratona exclusiva para mulheres na qual são feitas a edição, criação e aprimoramento dos artigos da Wikipédia com fontes confiáveis e verificáveis sobre um assunto específico.

Esse ímpeto levou a Editatona a aumentar significativamente os textos femininos na Wikipédia, a grande fonte de informação para todos os usuários da Internet na atualidade.

Essa abordagem específica para tentar reduzir as disparidades de gênero fez da Editatona uma das vencedoras dos prêmios FRIDA 2018 na categoria de Tecnologia e Gênero.

Carmen Alcázar, coordenadora da Editatona, disse a LACNIC News que o projeto surgiu quando, após uma pesquisa, perceberam que a enciclopédia livre (Wikipédia) “não tinha a visão de metade da população do planeta”. 

Por que surge a Editatona? O que inspirou e motivou vocês a contribuir com vozes femininas para a história contada na Wikipédia?

Em 2014, ficamos sabendo que, de 10 wikipedistas, apenas uma era mulher, o que nos fez pensar sobre como isso impactava na ferramenta de referência mais consultada do mundo. Constatamos que a baixa participação na edição da Wikipédia afetou a quantidade: nesse ano do universo de biografias que existem na Wikipédia em espanhol, apenas 16% correspondiam a mulheres; e a qualidade do conteúdo criado evidenciava muitos artigos com preconceitos machistas e sexistas.

Como definiria o termo Editatona que vocês promovem? Como as editatonas contribuem para a equidade de gênero na Wikipédia?

Um editatón é o hack para o modelo de evento colaborativo tão popular no mundo tecnológico: hackathon, só que em vez de fazer código, são feitos artigos da Wikipedia. Embora os editatones da Wikipédia nunca tenham atingido o nível de toxicidade ou reprodução de comportamentos machistas como se sabe ocorreram em hackathones europeus ou americanos ou em LAN parties como Campus Party, tivemos situações bastante desagradáveis de homens para mulheres, principalmente, pessoas que só vinham para vadiar, ou então, pessoas próprias e estranhas reproduzindo comportamentos como o mansplainning.

Editatona é a resposta feminista de um editatón. Ambas são maratonas de edição e criação de artigos da Wikipédia, mas existem diferenças fundamentais: são exclusivamente lideradas e organizadas por mulheres, sempre têm temas de gênero. Nas editatonas, além da oficina de edição, há oficinas sobre linguagem inclusiva e sensibilidade e equidade de gênero na escritura.

A Editatona trabalha para construir uma enciclopédia diversificada, que realmente represente a totalidade do conhecimento, com perspectiva de gênero e como resposta à comunidade sexista e machista predominante.

A partir das diferentes edições da Editatona, vocês acham que conseguiram novas entradas de mulheres na Wikipédia e melhoraram seu conteúdo, com uma narração mais equilibrada?

O trabalho feito impactou na Wikipédia com a criação de artigos sobre temas que não só eram inexistentes na Wikipédia em espanhol, mas também estabeleceram a Wikipédia como um espaço de ação social pela luta dos direitos das mulheres. Quando a Editatona e outras iniciativas de gênero nasceram no movimento Wikimedia, já havia alguns milhões de artigos que seriam difíceis de revisar em suas narrativas.

Existem dados estatísticos que possam suportar essa narração mais equilibrada a partir do impulso das editatonas? Quantas edições foram feitas? Quantos editores aderiram à iniciativa?

Desde 2015, mais de 50 editatonas foram organizadas na região e isso resultou no envolvimento de mais de 500 novas editoras da Wikipédia.

A Editatona foi replicada na Espanha, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Venezuela, Uruguai; inclusive em países onde não há comunidade de editoras e editoras organizadas como a Nicarágua e Guatemala.

E um dos números mais significativos refere-se à porcentagem de conteúdo sobre mulheres: chegamos a mais de 19% (a maior porcentagem entre as 5 maiores Wikipédias).

Editatona conseguiu moldar um tecido internacional com grupos em diferentes partes do mundo. Qual é a sua avaliação da atual dimensão do movimento?

Medir o impacto dos esforços de diversidade de gênero no movimento Wikimedia é difícil, mas é claro que há uma mudança na participação, as regras para ter espaços amigáveis. A Editatona está incluída na lista de projetos inspiradores no Relatório de Equidade de Gênero 2018 da Fundação Wikimedia, reconhecendo o trabalho feito para aumentar o número de editoras e reduzir a lacuna de gênero no conteúdo da Wikimedia.

O que os levou a se candidatar para os prêmios FRIDA?

O nascimento de Editatona não foi fácil, nos levou muito trabalho “convencer” a comunidade (de homens) de que era uma boa ideia, sofremos desqualificações e ridicularização em vários espaços, mas apesar disso decidimos continuar. Nós sempre pensamos que Editatona continuaria crescendo graças à nossa “teimosia”. A primeira vez que conseguimos fazer uma editatona com uma instituição do governo, ficamos muito felizes porque era um reconhecimento do nosso trabalho.

Em 2016, quando o Mexicoleaks foi o vencedor de FRIDA, conhecemos o projeto e achamos que seria uma boa ideia aplicar, mas nunca pensamos que seríamos selecionadas, pois conhecíamos o número de projetos participantes. Mas igual decidimos fazê-lo. E é o melhor reconhecimento que tivemos nestes anos, isso nos enche de esperança para seguir em frente. 

Como você valoriza sua participação nesta iniciativa de LACNIC? Você acha que a partir de FRIDA possam conseguir mais apoios para a sustentabilidade e replicabilidade do projeto?

Atualmente, embora mais e mais eventos e espaços de discussão sobre tecnologia estejam sendo realizados, a participação das mulheres nessas atividades ainda é mínima, mas temos certeza de que esse tipo de iniciativa é um incentivo para que existam mais projetos voltados para isso.

E com a disseminação que foi alcançada, não duvidamos que mais países e grupos queiram fazer editatonas ou projetos para reduzir a lacuna de gênero na tecnologia.

As opiniões expressas pelos autores deste blog são próprias e não refletem necessariamente as opiniões de LACNIC.