A Governança da Internet do futuro
20/11/2013
“Estamos no momento certo para uma mudança. Não podemos perder a oportunidade. Vemos o futuro da governança da Internet como uma evolução do que está sendo feito hoje”.
Assim, direto, Raúl Echeberría, diretor executivo do LACNIC, garantiu à comunidade da Internet da América Latina e o Caribe que é hora de aproveitar o impulso conjuntural da diplomacia mundial para reforçar a abordagem multistakeholder do “governo” da Internet. E os ventos que sopram, disse ele, estão indo pelo caminho promovido pela sociedade civil na última década: uma Internet aberta e participativa, sem dependência legal e política de grandes corporações ou potências mundiais.
Poucas horas após o desembarque de Bali (Indonésia) –onde aconteceu o Fórum de Governança da Internet sob os auspícios das Nações Unidas- e a três semanas da Declaração de Montevidéu, Echeverría mostrou-se entusiasta com os novos tempos que se aproximam na Governança da Internet.
Durante sua apresentação em Curaçao no LACNIC 20, o CEO do LACNIC contou a história do acontecido na última década na Governança da Internet. “Nesses 10 anos de discussão, muitos atores tiveram uma percepção de “status quo”, mas no LACNIC pensamos que a situação em 2003 e 2013 é bem diferente, radicalmente diferente. Hoje – a diferença do acontecido em 2003- o relacionamento entre todos os atores na região é fluido, acredito que inclusive na América Latina e o Caribe atingimos um nível de amadurecimento no relacionamento entre todos os atores vinculados à Internet que pode ser considerado um exemplo a nível mundial”.
Contou que o LACNIC já não precisa bater nas portas dos fóruns intergovernamentais, porque os convites chegam sozinhos. “Somos convidados porque consideram que as nossas contribuições são muito valiosas para a discussão. Um exemplo disso é o eLAC, que nasceu das conferências ministeriais: ali há um mecanismo de acompanhamento onde o Lacnic tem o seu lugar”.
Tem sido uma década vencedora, em que as organizações da sociedade civil aumentaram a capacidade de influencia no mundo todo. “Na Cúpula da Sociedade da Informação de 2003, as ONG não governamentais não podiam entrar nos salões. Devíamos esperar nos corredores para fazer lobby ou encontrar-nos com representantes de governos conhecidos para trocar opiniões. Hoje ninguém pensa em levar adiante uma discussão sobre a Governança da Internet sem todos os atores”, afirmou Raúl.
Novos mecanismos. O Fórum de Governança da Internet, IGF, criado em 2006, tem mudado a paisagem da governança da Internet. “É uma conquista importante. Criamos um híbrido –garantiu Echeberría- uma coisa nova no sistema de relacionamento internacional, que está formalmente vinculado à ONU, mas não pertence à ONU. É um fórum convocado pelo secretário geral da ONU, mas o financiamento é de fontes diferentes, voluntárias, os RIR, etc. É um espaço que funciona sob as asas das Nações Unidas mas sem as regras das Nações Unidas, onde a participação em igualdade de condições de governos, sociedade civil, corporações, dá um toque de espaço não ortodoxo, inovador, que criou uma nova forma de trabalho”. Essa iniciativa mundial catalisou-se nos IGF regionais e nacionais, novos mecanismos que têm incrementado a participação dos atores no debate sobre o Fórum de Governança da Internet.
Neste momento específico, depois das revelações sobre a vigilância na Internet, algumas visões têm se acelerado e aumentam as demandas de encerrar permanentemente o papel principal do governo dos Estados Unidos em relação às funções da IANA (Internet Assigned Numbers Authority). LACNIC sempre tem tido posições públicas claras a favor da finalização desse papel especial do governo dos Estados Unidos. “O nosso não é conjuntural”, reafirmou Echeberría e lembrou de que o “NRO também tem tido essa posição desde sempre”.
As revelações sobre a vigilância na Internet por parte de agências de segurança, principalmente a NSA, afetam a confiança em tudo. “Chegamos a um ponto em que as pessoas não sabem em quem confiar. E isso aumenta a percepção por parte de alguns governos, da ausência de mecanismos para discutir determinados temas de governança da Internet”, disse Raúl.
Em relação a esta questão, o CEO do LACNIC destacou especialmente a Declaração de Montevidéu do chamado grupo de I* -grupo que nunca tinha realizado uma declaração- em dois pontos fundamentais. O primeiro, a chamada para a globalização da ICANN, que, na opinião do LACNIC, significa que essa organização “não seja uma organização baseada nos Estados Unidos, sob o marco legal americano, e sim que funcione com independência total do governo dos Estados Unidos e que esteja instalada sob um status internacional”.
O segundo ponto fundamental é uma chamada a catalisar o processo de discussão para o novo modelo de governança. Falta um marco mais geral que dê um espaço mais apropriado, acrescentou o CEO do LACNIC.
Echeberría celebrou todas as iniciativas e reuniões criadas para discutir sobre Governança na Internet, mas salientou que devem convergir para o IGF. “O Fórum tem configurado a conquista de um espaço fundamental de discussão, que temos de proteger. Tanto a discussão quanto o futuro modelo de governança passam pelo Fórum de Governança da Internet. As soluções e as propostas que surjam têm que estar baseadas na existência do IGF, têm que ser uma evolução do Fórum. O IGF é muito valioso, ou evolucionamos para esse IGF ou, no final do caminho, se acharmos que não podemos evoluir para algo que seja satisfatório, só depois vamos pensar em algo novo que seja diferente”.
Contou que no IGF de Bali foi formada a Internet Coalition, um grupo mais amplo que o grupo de Montevidéu, para tentar integrar a todos os atores e alcançar “uma liderança para buscar um modelo de Governança da Internet que satisfaça todos os atores”.
A Internet Coalition -acrescentou- não tem por objetivo prover as soluções, mas gerar a confiança entre todos os atores para sentir realmente que existe um compromisso para atingir um acordo.
Echeberría culminou salientando que estamos vivendo no “momento adequado para introduzir mudanças” e instou a não perder a oportunidade. “Outros atores importantes concordam pelas situações conjunturais –o que tem acontecido com a NSA, o enfraquecimento da confiança- mas se essas ameaças são afastadas, provavelmente vamos perder àquelas pessoas dispostas a transitar um caminho diferente. Temos de aproveitar este momento”, disse.
Os objetivos são consolidar o modelo aberto, participativo e multistakeholder. “Qualquer outra coisa não seria aceitável. Tudo o construído até hoje deve ser a base da Governança da Internet do futuro”, finalizou.