Quando as redes se tornam complexas demais para os humanos

10/07/2025

Quando as redes se tornam complexas demais para os humanos

Por Carlos Martínez-Cagnazzo, Gerente de Tecnologia do LACNIC

Durante o LACNIC 43, tivemos o privilégio de ouvir Christian Rothenberg, professor da Universidade de Campinas e líder do grupo INTRIG, que apresentou uma palestra reveladora sobre como a inteligência artificial (IA) e o aprendizado de máquina (ML) estão transformando a forma na qual gerenciamos as redes.

Christian nos propôs um percurso pela evolução tecnológica recente, desde a programabilidade das redes até o surgimento de modelos de inteligência artificial que permitem automatizar tarefas que vão além das capacidades humanas.

Um ponto central da sua apresentação foi o Smartness, um centro de pesquisa brasileiro financiado pela FAPESP com duração de 10 anos (até 2032), que atua como uma ponte entre a academia e a indústria. Com o apoio de empresas como a Ericsson, o objetivo do Smartness é desenvolver conhecimento aplicado sobre redes, computação em nuvem, segurança, IA e sustentabilidade. Esse enfoque híbrido foi algo que ele destacou como fundamental: “Buscamos que nossos alunos entendam como pensa a indústria, e não apenas como pesquisar”, apontou.

Uma das ideias mais impactantes da palestra foi que a rede é hoje o primeiro sistema criado pelo ser humano que já não pode ser completamente compreendido por ele. Desde a variabilidade do BGP até a combinação de tecnologias como 4G, 5G, edge computing, conectividade submarina, slices e SDN, a complexidade é tamanha que se torna impossível de ser abordada sem ferramentas de apoio baseadas em dados.

É aí que entra o Machine Learning, não como uma moda, mas como uma necessidade. Christian mostrou como técnicas baseadas em dados podem detectar anomalias, prever padrões e sugerir ações onde os métodos clássicos já não são suficientes. Entre as aplicações mais maduras ou promissoras que ele mencionou, destacam-se, por exemplo: a detecção de intrusões e comportamentos anômalos, a classificação de tráfego conforme o tipo de aplicação, a engenharia de tráfego e previsão de congestionamento, a otimização de políticas BGP, o streaming de vídeo adaptativo, XR e VR, e o controle de congestionamento em endpoints.

Vale destacar que muitas dessas tarefas não são novas — o que é novo é a abordagem: aprender com os dados, em vez de tentar adivinhar por meio de regras.

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Uma parte que considerei especialmente valiosa foi quando ele propôs uma forma simples de começar a aplicar IA em redes. Não existe um único aplicativo revolucionário (“killer app”) para IA em redes. “O que existe, na verdade, são múltiplas pequenas dores operacionais que podem ser resolvidas se tivermos dados bem coletados e uma intenção clara de experimentar”, sinalizou.

Na segunda parte da sua apresentação, Christian aprofundou no “como” por trás do uso da inteligência artificial em redes. Sem transformar a explicação numa aula teórica, ele detalhou com clareza as três grandes famílias de técnicas de Machine Learning atualmente aplicadas à análise e à gestão de redes. Por um lado, as técnicas supervisionadas são aquelas em que já contamos com dados rotulados. Por exemplo, sabemos que certos registros correspondem a tráfego normal e outros a eventos suspeitos. Com esses exemplos, o modelo “aprende” a classificar novos eventos que nunca viu antes, com base em padrões anteriores. Essa técnica é ideal quando temos registros históricos confiáveis e bem estruturados — algo que nem sempre ocorre no mundo real.

Por outro lado, existem as técnicas não supervisionadas, nas quais não informamos ao modelo o que ele está “vendo”: simplesmente o alimentamos com dados e esperamos que ele identifique agrupamentos ou comportamentos semelhantes (clusters). Isso pode permitir, por exemplo, detectar usuários com padrões de consumo atípicos, fluxos de tráfego anômalos ou segmentos de aplicações que merecem tratamento especial dentro da rede. Um exemplo simples que me marcou: se tivermos fluxos de rede que se repetem com determinadas características, podemos criar grupos (vermelho, azul, verde) e redirecioná-los por caminhos diferentes, de acordo com seu perfil. É uma forma de otimizar recursos sem intervenção humana direta.

As opiniões expressas pelos autores deste blog são próprias e não refletem necessariamente as opiniões de LACNIC.

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