O papel chave dos mentores na formação de referentes em Governança da Internet na América Latina
10/11/2023
Por Alejandra Erramuspe, mentora do Programa Líderes do LACNIC.
Há três anos que tenho o prazer de acompanhar, como mentora, o Programa Líderes do LACNIC, iniciativa que dá apoio econômico e mentoria a candidatos e candidatas para desenvolverem pesquisas que outorguem conhecimento detalhado sobre temas de impacto de Governança da Internet (GI) na América Latina, tal como são vistos nas suas comunidades.
A meu ver, o valor do Programa Líderes reside na importância de gerar conhecimento e pesquisa no âmbito de GI, de fato, creio que na região fazem falta mais iniciativas deste tipo, bem como verbas destinadas ao financiamento de pesquisas sobre o estado de situação, as oportunidades, os desafios e as grandes problemáticas que existem em temas como: a apropriação e a relação da cidadania com as tecnologias à escala de pequenas comunidades.
Por exemplo, em uma das pesquisas que estou monitorando neste momento, a pesquisadora se propôs a realizar uma oficina de fact checking em uma comunidade wayú do norte da Colômbia. O objetivode sua pesquisa é trabalhar com docentes locais na prevenção da desinformação. Ao mesmo tempo, ela procura que sejam os mesmos assistentes que divulguem ao resto da comunidade o que aprenderam.
Um ponto importante a ser destacado é que o programa não busca grandes pesquisas ou pesquisadores de renome, senão que oferece a oportunidade de começar um caminho de pesquisas a quem lhes é muito difícil acessar outras fontes de financiamento, como pessoas jovens ou que estejam dando seus primeiros passos, bem como referentes e ativistas locais.
Outro ponto relevante a ser destacado é a importância da geração de conhecimento na região. Embora no norte global haja iniciativas de financiamento para a produção de conhecimento e investigação, não acontece a mesma coisa na nossa região, razão pela qual muitas vezes acabamos consumindo o que é produzido em outras partes do mundo. Toda informação, quando produzida por seres humanos, tem sesgos. Devemos apostar, para a redução de inequidades, na diversidade de fontes de produção e que estas incluam visões que atendam às realidades locais, assim como as vivências das pessoas nas pequenas comunidades a nível de micro experiências.
Há outra razão importante na produção de conhecimento a nível local e tem a ver com o idioma. Casualmente, neste momento, estou acompanhando um pesquisador que põe seu foco em entender o idioma no qual os sistemas de machine learming e processamento de linguagem “aprendem”, e esse idioma é o inglês. Gerar conteúdo em idiomas como o espanhol e o português – línguas mais faladas na região – nos permitem adicionar diversidade ao inglês, a língua dominante no mundo da tecnologia e na produção de conhecimento sobre este tópico.
Do ponto de vista metodológico, nosso primeiro contato com os projetos é a seleção prévia entre os candidatos de acordo com os critérios e com as ponderações propostas pelo LACNIC, que dão transparência e coerência a todo o processo. Com base nas avaliações individuais de cada mentor, o LACNIC rankea as pesquisas melhor posicionadas que serão selecionadas para serem mentoreadas. O passo seguinte é a designação dos projetos à pessoa escolhida para a mentoria, iniciando-se assim o caminho de intercâmbio com os mentores: pessoalmente, eu faço o seguimento do avanço do trabalho com cada investidor uma vez por semana.
As propostas devem se adequar às temáticas que o programa propõe: Internet para todos: Inclusão e impacto em Direitos Humanos, Cibersegurança e cibercrime, Riscos da Fragmentação da Internet, Modelos de formulação de políticas públicas para a Internet e Inteligência artificial e tecnologias emergentes. Mesmo assim devem responder aos critérios de alinhamento com as áreas temáticas a serem financiadas: Coerência na definição do problema, Originalidade, Diversidade (geografia, de gênero, setor), isso quer dizer que na própria proposta de pesquisa seja incluída a visão de outros setores impactados pela temática em questão.
Por outro lado, vale destacar que todas essas variáveis são ponderadas e algumas pesam mais que outras. Existe uma pertinência em torno aos problemas que foram observados na região e procuramos que a voz das comunidades e localidades mais relegadas ou vozes menos ouvidas estejam presentes.
É preciso frisar que o programa contempla um montante reduzido em um tempo curto de até três meses para levar adiante uma pesquisa muito concreta e específica. Desde a minha experiência prévia, sei que no começo de um processo de pesquisa é necessário abranger muito, porém o próprio processo e o campo acabam determinando outra coisa, às vezes, diferente do original. Um aspecto central então é a viabilidade destes projetos: podem existir ideias prévias muito boas, mas que metodologicamente é complicado levar adiante.
Nesse sentido, nosso papel é o de acompanhamento metodológico institucional mais temático, nossa experiência e trajetória está à disposição para guiar e até mesmo conter os imponderáveis da pesquisa. Existe uma preocupação de que o processo chegue ao final com sucesso, daí surge a importância do seguimento e as entregas intermediárias.
Por outro lado, é importante que quem pesquisar consiga enxergar estas micros pesquisas como um passo ou estágio que faz parte de um caminho e que possa pensar em continuar este processo, expandindo o escopo ou os objetivos e aprofundando o conhecimento. De fato, outro dos ativos do Programa Líderes é que estas pesquisas são apresentadas depois como candidatas para outros fundos de financiamento. Quem participar deste programa, também terá a chance de ampliar o vínculo com a comunidade da Internet na região, assim como criar redes, acessar outras atividades e participar de eventos.
Uma vez que os líderes finalizarem sua entrega, quem quiser pode se candidatar para o programa Policy Shapers do LACNIC. O primeiro filtro será realizar o concurso de Governança da Internet oferecido pelo campus do LACNIC. Uma vez que estes candidatos passem no curso, o LACNIC realizará uma seleção na qual os mentores e mentoras possamos colaborar. Nossa colaboração é fundamental, uma vez que através do processo de mentoria vamos conhecendo muito bem cada um dos pesquisadores e pesquisadoras, suas potencialidades, suas necessidades, bem como sua vontade de seguir se formando e desenvolvendo-se, e embasados nessa experiência, faremos a evolução para a fase posterior. Por último, creio que é importante sinalizar que a participação nos programas como Policy Shapers lhes dá a chance de se tornarem líderes na região e a América Latina requer de uma comunidade cada vez mais fortalecida, com pessoas engajadas no desenvolvimento e na evolução da Governança da Internet.
As opiniões expressas pelos autores deste blog são próprias e não refletem necessariamente as opiniões de LACNIC.