O monitoramento do BGP (Border Gateway Protocol) é uma tarefa essencial para qualquer operador de rede, fornecedor de serviços ou empresa que mantém
conectividade dinâmica com múltiplos sistemas autônomos. Em um ambiente onde a estabilidade das sessões BGP pode impactar diretamente a disponibilidade dos serviços, contar com ferramentas que permitam observar seu comportamento em tempo real é um fator decisivo para garantir o funcionamento e antecipar incidentes.
Uma parte crítica para alcançar essa visibilidade detalhada é o uso dos **OIDs padrão definidos no BGP4-MIB**, uma MIB (Management Information Base) desenvolvida para expor de forma estruturada informações relacionadas às sessões BGP em dispositivos que implementam SNMP.
O **BGP4-MIB** fornece um conjunto de objetos que permitem coletar métricas importantes, como o estado atual das sessões, o tempo que levam ativas, os ASN remotos, os prefixos recebidos e anunciados, entre outros. Esses objetos são acessados usando identificadores exclusivos chamados OIDs (Object Identifiers), o que os torna fáceis de consultar em sistemas como o Zabbix.
Esses OIDs permitem que o Zabbix crie itens de monitoramento altamente detalhados e triggers inteligentes que alertem sobre qualquer condição anômala nas sessões BGP. Graças a essa padronização, não há necessidade de depender de soluções proprietárias ou de parsing manual de comandos CLI, o que simplifica consideravelmente a operação em ambientes complexos.
A seguir, exploramos como o Zabbix usa esses OIDs na prática para fornecer um monitoramento do BGP robusto e centralizado.
Por que monitorar o BGP?
BGP é o protocolo que facilita a troca de informações de rotas entre sistemas autônomos e permite que os prefixos sejam anunciados globalmente pela Internet. Embora na maioria dos casos seu funcionamento seja estável, uma sessão BGP pode ser afetada por múltiplos fatores: falhas físicas de links, reinicializações de roteadores, erros de configuração, flutuações inesperadas dos prefixos anunciados ou incidentes de segurança, como o sequestro de rota (route hijacking).
Portanto, limitar o monitoramento a um simples ping ou à verificação de interfaces não é suficiente. A visibilidade detalhada do estado de cada sessão BGP é essencial para detectar problemas e reduzir os tempos de diagnóstico.
Integrando o BGP com Zabbix
O Zabbix permite incorporar o monitoramento do BGP por meio do uso de SNMP e BGP4-MIB, um conjunto de objetos de informação padronizados que expõem detalhes sobre as sessões ativas e seu estado. Graças a essa compatibilidade, é possível integrar o monitoramento do BGP no mesmo ambiente onde o desempenho geral dos equipamentos de rede já é monitorado.
Dispositivos de fabricantes como Cisco, Juniper, MikroTik e Arista, entre outros, suportam BGP4-MIB de forma nativa. Isso facilita a centralização do monitoramento e a consolidação de métricas de maneira uniforme.
Principais métricas que podemos observar
O Zabbix pode coletar periodicamente dados essenciais sobre o BGP, como:
- Estado da sessão BGP: indica se a sessão está estabelecida ou em um dos estados intermediários (Idle, Connect, Active, OpenSent, OpenConfirm).
- Prefixos aceitos: reflete quantos prefixos são recebidos de cada peer BGP.
- Prefixos anunciados: mostra quantos prefixos o roteador está anunciando ao peer.
- Tempo de atividade da sessão: permite identificar travamentos ou reinicializações frequentes.
- ASN remoto e endereço IP do peer: informações valiosas para correlacionar as sessões com suas contrapartes.
Esses dados são extraídos usando OIDs padronizados de MIB BGP4 e podem ser apresentados visualmente por meio de painéis e gráficos históricos. Todas essas informações são obtidas por meio de OIDs padrões, como:
- 1.3.6.1.2.1.15.3.1.2 * Estado da sessão (bgpPeerState)
- 1.3.6.1.2.1.15.3.1.9 * Tempo de atividade (bgpPeerFsmEstablishedTime)
Da teoria à prática: etapas de implementação
Configurar o monitoramento do BGP com o Zabbix não requer nenhuma etapa complexa. Em termos gerais, o processo consiste em:
- Habilitar o SNMP no roteador, verificando que o BGP4-MIB esteja disponível.
- Registrar o host no Zabbix, indicando sua interface SNMP e as credenciais correspondentes (SNMPv2 ou SNMPv3).
- Criar itens de monitoramento, definindo consultas para os OIDs de estado, prefixos e tempo de atividade (uptime).
- Configurar mapas de valores para traduzir os estados numéricos em rótulos legíveis, por exemplo: 1 = Idle, 6 = Established.
- Criar triggers inteligentes que gerem alertas se a sessão mudar de estado ou se forem detectadas mudanças abruptas no número de prefixos.
- Construir dashboards personalizados que permitam o monitoramento em tempo real de todas as sessões BGP.
Depois que a configuração for implantada, o Zabbix poderá notificar eventos relevantes por e-mail, mensagens instantâneas ou outros canais.
Vejamos um exemplo passo a passo para monitorar BGP em um roteador compatível com SNMP:
Habilitar SNMP e MIB BGP no roteador
Em Cisco:
snmp-server community zabbix_ro RO
snmp-server view BGPView iso included
snmp-server group BGPGroup v2c read BGPView
snmp-server host 192.168.1.100 versão 2c zabbix_ro
No MikroTik:
Adicionar o roteador como host no Zabbix
/snmp set enabled=yes
/snmp community add name=zabbix_ro address=192.168.1.100/32
- Nome do host: Router-BGP
- Interface SNMP: IP do roteador, porta 161
- Credenciais: comunidade SNMPv2 ou usuário SNMPv3
Criar itens para BGP
No Zabbix * Configuration * Hosts * Items * Create Item:
- Nome: Estado sessão BGP com 200.229.145.84
- Tipo: SNMPv2 agent
- OID: 1.3.6.1.2.1.15.3.1.2.X.X.X.X (IP do peer em notação decimal)
- Key: bgp.session.state
[{#PEER}]
- Tipo de dado: Numérico inteiro
Mapeia os valores em Value mapping:
= Idle
= Connect
= Active
= OpenSent
= OpenConfirm
= Established
Faça o mesmo para prefixos recebidos (OID: 1.3.6.1.2.1.15.6.1.1.X.X.X.X) e tempo de atividade.
Criar triggers Exemplo:
- Nome: Sessão BGP com {#PEER} queda
- Expressão: {Router-BGP:bgp.session.state
[{#PEER}].last()}<>6
- Gravidade: Alta
Este trigger dispara um alerta se a sessão não estiver em “Establishedˮ.
Criar um dashboard
Use gráficos e widgets para exibir:
- Número de sessões ativas
- Prefixos aceitos por peer
- Estado de cada sessão com semáforos
Você pode agrupar todos os peers em um host protótipo usando Low-level Discovery (LLD) para automatizar o monitoramento de múltiplas sessões BGP sem configurá-las manualmente.
Casos de uso comuns
O monitoramento proativo do BGP com Zabbix é especialmente útil em contextos como:
- Provedores da Internet que mantêm múltiplas sessões de trânsito e peering.
- Centros de dados que publicam prefixos próprios e de clientes.
- Redes acadêmicas que trocam rotas com várias instituições.
- Empresas com presença internacional que gerenciam conectividade redundante para vários carriers.
Ter essas informações fortalece a capacidade operacional e reduz os tempos de resposta a incidentes.
Caso prático real
Em uma rede de um ISP com 10 peers BGP, implementamos o Zabbix com SNMPv3 e modelos personalizados. O resultado:
- Tempo de detecção de quedas: reduzido de 10 minutos para menos de 60 segundos.
- Alertas proativos: variações inesperadas de prefixos geram alertas antes que os clientes denunciem problemas.
- Dashboard em NOC: visibilidade completa da integridade do BGP em tempo real.
Boas práticas recomendadas
Para aproveitar ao máximo os recursos do Zabbix no BGP, é recomendável:
- Usar SNMPv3 com autenticação e criptografia sempre que possível.
- Definir valores de referência (“linha de base”) sobre o número de prefixos aceitos e anunciados.
- Correlacionar o status do BGP com outras métricas de integridade do dispositivo (uso da CPU, tráfego da interface, disponibilidade do ICMP).
- Documentar claramente os ASN de cada peer e os limites esperados.
Conclusão
O Zabbix combina potência e flexibilidade para transformar o monitoramento BGP de uma tarefa exclusiva de ferramentas proprietárias em um recurso acessível, padronizado e adaptado a todos os tipos de ambientes. A integração do BGP4-MIB via SNMP permite a rápida implementação de um esquema de monitoramento detalhado, com alertas personalizados e visibilidade histórica. A adoção dessas práticas ajuda a fortalecer a estabilidade da rede e a antecipar problemas antes que eles se tornem falhas visíveis para os usuários.