O valor das iniciativas nacionais de Governança da Internet no Caribe

02/02/2015

O valor das iniciativas nacionais de Governança da Internet no Caribe

Governança da Internet e o modelo multisetorial ou de múltiplas partes interessadas

A noção de governança global da Internet tem sido objeto de muita atenção a partir das duas fases da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI), realizadas em 2003 e 2005. Um dos resultados mais significativos da CMSI foi a criação do Fórum de Governança da Internet (do inglês IGF), o qual reúne a uma variedade de pessoas de diferentes partes interessadas em discutir abertamente assuntos de política pública relacionados com a Internet em igualdade de condições.

Este princípio de participação (engagement) em relação com o IGF se conhece como modelo multisetorial ou de múltiplas partes interessadas (multistakeholderism), embora não exista uma única prática deste tipo estabelecida entre as partes para atividades que vão da participação à tomada de decisões com respeito a um assunto transnacional. Porém, quando se trata dos recursos críticos da Internet, o modelo multisetorial continua sendo aceito como o melhor facilitador de marcos de governança sustentáveis, a diferença de qualquer outra coisa que pudesse produzir o intergovernamentalismo[1]. Devido à alta taxa de inovação associada ao meio, naturalmente sua governança deve refletir esta característica chave. Se repararmos no panorama geral, a Governança da Internet realmente tem produzido conceitos novos em nível da governança global, pois ela não é centralizada nem depende dos governos, senão que acolhe o poder e a autoridade em uma rede distribuída.

O princípio da multisetorialidade tinha sido citado em inumeráveis ocasiões na agenda da Tunísia. Em particular, o artigo 80 da agenda convoca especificamente a adotar processos multisetoriais em nível nacional, regional e internacional:

“para discutir e contribuir para a expansão e difusão da Internet como meio para apoiar os esforços de desenvolvimento para atingir as metas e objetivos de desenvolvimento acordados internacionalmente, incluídos os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”.

Enquanto alguns teóricos das relações internacionais poderiam argumentar que a globalização tem diminuído a relevância das fronteiras nacionais — um sentimento compartilhado por alguns idealistas da Internet, pois, certamente, o rotamento do tráfico da Internet não respeita nenhuma fronteira, —o referido artigo parece aceitar melhor aquelas camadas ou níveis de governança onde o denominador comum é estabelecido como um objetivo entre as comunidades apesar dos diferentes interesses das diversas partes interessadas. Utilizando o conceito da Internet como uma estrutura de três camadas de Yochai Benkler — a camada da infraestrutura física, a camada das normas técnicas e a camada de conteúdos e aplicações — podemos começar a visualizar melhor as correlações que existem entre os esforços de desenvolvimento e a internet. Por exemplo, um conjunto de comunidades nacionais do mundo em desenvolvimento poderia priorizar a conectividade, o acesso à Internet e o desdobramento de infraestrutura da Internet como os IXP, enquanto que outro conjunto poderia ter maior interesse nos temas de privacidade, segurança e propriedade intelectual em tandem com o desenvolvimento local da Internet.

Estas diferenças nas prioridades lembram que, embora todos devamos manter a interoperabilidade global para poder continuar desfrutando dos benefícios da Internet e aproveitar a governança em rede para atingir soluções gerais, o fato de localizar os problemas, entre eles as implicâncias das políticas globais, é uma das principais formas de trabalhar pelo desenvolvimento da Internet e garantir uma governança robusta. A complexidade e a multidimensionalidade dos assuntos relacionados com a Internet são algumas das razões chaves que justificam o uso de enfoques de múltiplas partes interessadas, pois as exigências das novas formas de governança incluem novos processos de construção do conhecimento, formulação e negociação de políticas e pode inclusive que a experiência e as soluções a estes problemas complexos estejam mais próximas dos usuários na beira da rede que dos atores que tradicionalmente estiveram no centro da governança. Porém, existem diferentes matizes entre as ideias gerais e as soluções propostas em nível global e sua adequação aos diferentes níveis da comunidade global da internet.

Alguns observadores têm percebido que as partes interessadas de muitos países em desenvolvimento, que constituem a grande maioria dos novos usuários da Internet, ora participam raramente ora estão totalmente ausentes do diálogo sobre Governança de Internet global. À primeira vista, pareceria ser uma proposição em favor ou contra para os fóruns como o IGF global, mas as razões são, na verdade, muito mais profundas. Pode haver um problema subjacente relacionado com os enfoques de Governança da Internet multisetoriais, que devem lidar com o interesse demonstrado, a experiência e os recursos de quem participam do diálogo global. De fato, o interesse demonstrado está de acordo com o espírito do multisetorialismo e serve como equalizador entre os diferentes tipos de interessados, especialmente os governos que estão acostumados a levar a cabo uma diplomacia de clube nas relações internacionais. A experiência pareceria fortalecer o interesse demonstrado, mas — dependendo da reunião da qual se trate—, pode ser em nível individual e não de um grupo de atores. Os recursos são mais implícitos e servem como determinantes para a participação efetiva do diálogo global sobre Governança da Internet, ou às vezes levam às pessoas a tomarem providências depois de ter identificado adequadamente um problema e sua solução.

Além disso, existe um desafio específico com respeito às limitações que enfrentam algumas comunidades pequenas comparadas com outras maiores, que incluem, mas não se limitam: às brechas de conhecimento, à baixa capacidade, às deficiências numéricas e o baixo potencial de “bater por encima da própria categoria”. Na maioria das vezes, as curvas do aprendizado de um diálogo global sobre Governança da Internet são superadas através da participação constante de um grupo de interesse. Mesmo quando as finanças não são um problema para as partes interessadas do Caribe, o alcance dos temas a serem tratados em uma reunião internacional pode ser cansativo, pois as mesmas pessoas devem fazer malabarismos para participar e, ao mesmo tempo, continuar com seu trabalho diário. Coincidentemente, a menor organização em torno aos temas de Governança da Internet e as estruturas de governos mais fracos das comunidades menores afetam sua margem de manobra no diálogo global e se prestam à percepção de exclusão. Na medida em que ainda existem desafios de todo tipo no diálogo global sobre Governança da Internet, seria bom estudar os diálogos regionais e nacionais visando conseguir melhoras de dentro.

Diálogo regional sobre Governança da Internet no Caribe

Embora, frequentemente, se fale da proliferação dos diálogos regionais e nacionais sobre Governança da Internet a partir do IGF global, é interessante observar que o Caribe esteve na vanguarda deste tipo de atividades devido ao engenhoso enfoque adotado para a CMSI, em particular para a segunda fase. O IGF do Caribe —o primeiro IGF regional multisetorial do mundo— se realizou nos dias 5 e 6 de setembro de 2005 em Georgetown, Guiana com o apoio da União das Telecomunicações do Caribe (CTU). Antecipando o impacto que teria na CMSI sobre seu desenvolvimento regional, o IGF do Caribe foi utilizado para estabelecer um marco de políticas regional que, entre outras coisas, estimulasse o desenvolvimento de políticas nacionais harmonizadas e facilitasse o intercâmbio das melhores práticas de Governança da Internet como uma maneira de fazer frente às limitações em nível de recursos para a formulação de políticas públicas da Internet nas pequenas e micro comunidades.

Para melhor descrever como funciona o IGF do Caribe, pode-se dizer que diferentes partes interessadas de toda a região se reúnem para discutir os assuntos considerados prioritários a fim de produzir um documento não vinculante que guiará os fazedores de políticas do Caribe e mobilizará as organizações regionais existentes em diversos aspectos da Governança da Internet.

Conhecido como o Marco de Governança da Internet do Caribe (Caribbean Internet Governance Framework, CIGF), este marco de políticas é um trabalho em andamento, com o fundo das ambições da região de estabelecer um Mercado e Economia Únicos (Caribbean Single Market and Economy, CSME). Nele são esboçadas seis áreas estratégicas para o desenvolvimento de políticas de Governança da Internet no Caribe, entre elas a conectividade de banda larga, a infraestrutura técnica e as operações da Internet, o marco legal e sua execução, o desenvolvimento e a gestão de conteúdos da Internet, a conscientização e a criação de capacidades e pesquisa.

O valor do diálogo nacional sobre Governança da Internet no Caribe

A julgar pela retórica das políticas, o Caribe reconheceu há muito tempo o valor que teve a Internet e a Governança da Internet do seu próprio desenvolvimento econômico e social. Então, por que deveria o Caribe voltar-se para o diálogo nacional sobre Governança da Internet quase uma década depois? Para responder a esta pergunta talvez devamos levar em conta a realidade do Caribe e refletir novamente sobre o conceito de níveis de Governança da Internet. Eis aqui três afirmações sobre a realidade da Internet no Caribe que poderiam justificar uma análise maior:

  • Embora por natureza de tamanho pequeno, o desenvolvimento da Internet no Caribe seja relativamente díspar entre as diferentes comunidades, as limitações em nível de recursos são significativas e, portanto, se faz difícil identificar as prioridades regionais. Uma rápida olhada para as estatísticas regionais sobre o desenvolvimento das TIC e da Internet revelaria que alguns territórios estão inegavelmente mais avançados do que outros. Porém, a maior parte das estatísticas centra-se fundamentalmente na infraestrutura das telecomunicações e muitas vezes há uma escassez de dados sobre os quais apoiar a variedade de temas incluídos no debate sobre Governança da Internet. No entanto, pode ser que este tema não seja exclusivo do Caribe.
  • As ações anteriores que abordaram a Governança da Internet tiveram pouco impacto. Relacionado com a afirmação anterior, apesar da consciência sobre as atividades e as intervenções das agencias externas, as estatísticas revelam que o desenvolvimento das TIC e Internet poderia ser demorado demais em muitos territórios ou mesmo percebido como um ponto morto.
  • Caso existam, as vias para a defesa e o espírito empreendedor em nível de políticas nacionais em matéria de Internet não são muito visíveis. Mesmo quando as partes interessadas do Caribe participam nos IGF globais ou regionais, situar o contexto dos debates ou compreender claramente como utilizar os novos conhecimentos adquiridos para realizar a mudança pode resultar problemático. O tema das vias se baseia fortemente nas tendências culturais dentro da comunidade nacional.

Para compreender por que é preciso o diálogo nacional sobre Governança da Internet também podemos considerar a apreciação de Lawrence Lessig sobre a arquitetura tecnológica da Internet e sua governança que facilita a governança distribuída dos recursos globais e a diversidade de suas comunidades de usuários. Embora em certa medida possa resultar benéfico, infelizmente o enfoque centralizado do CIGF — desde a infraestrutura até os temas sociais— não pode compensar a disparidade de níveis de conhecimento e sensibilização dos diferentes grupos de interesse e pode estar impedido até o momento em que se produza um diálogo orgânico, de baixo para cima, para a identificação de problemas e a busca, implementação e execução de soluções. A questão das soluções e/ou recomendações deve conciliar-se inevitavelmente com a cultura e a política da comunidade nacional em questão.

Além disso, devido a que as realidades da Internet no Caribe são mais heterogêneas, os organismos nacionais que se ocupam da Governança da Internet apelam aos princípios da subsidiariedade para abordar os temas de Governança da Internet no nível apropriado, e a complementariedade para ajudar a elevar o perfil das implicações locais da política global. Embora subsidiariedade e complementariedade possam fortalecer a Governança da Internet dentro de comunidades pequenas, também podemos antecipar que os diálogos nacionais sobre Governança da Internet procuram abordar simultaneamente os temas de capacidade e, em definitiva, apoiar o desenvolvimento da Internet dentro das comunidades nacionais através de maiores instâncias de empreendimento de políticas e ordenamento particular. O que se entende por estes conceitos?

Subsidiariedade

Em termos gerais, a subsidiariedade pode ser definida como a aplicação do enfoque de resolução de problemas mais prático segundo a localidade. Considerando que os marcos nacionais por si mesmos são insuficientes para abranger os temas de uma Internet transnacional, surgem algumas soluções que podem excluir as particularidades que enfrenta uma comunidade nacional em particular, sobretudo na ausência de uma participação efetiva. No entanto, por sua própria natureza, por múltiplas razões as soluções globais aos problemas da Internet tendem a ser amplas, entre elas a exclusão de culturas e valores específicos e o nível geral de compromisso necessário para atingir o consenso aproximado. A subsidiariedade é uma das melhores maneiras de promover a existência de usuários informados e expertos dentro de uma comunidade nacional do borde até o centro da Governança da Internet e pode fomentar o intercâmbio eficaz de conhecimentos sobre os temas que habitualmente atingem os usuários de um lugar.

Complementariedade

Ao igual que a subsidiariedade, a complementariedade é útil para saber quando e como destacar um problema e gerar impulso para ele. Isto pode ser muito útil na hora de realizar atividades de promoção procurando criar apoio para uma proposta que uma pessoa acredite ser considerada em mais alto nível. A complementariedade também deveria considerar os diferentes níveis de discussão não apenas no mundo “real”, mas também no mundo em linha, pois de forma complementária promove o conhecimento entre as partes interessadas.

Com respeito ao Caribe, o IGF do Caribe serve como uma plataforma para conseguir apoio para uma proposta em nível regional. Os diálogos nacionais sobre Governança da Internet fortalecerão esta atividade e, possivelmente, possam aproveitar o IGF do Caribe, como um passo intermédio para pleitear um tema no diálogo sobre Governança de Internet global.

Criação de capacidades

Sob a criação de capacidades podemos olhar de perto a aquisição de conhecimento técnico/teórico e o conhecimento prático ou know-how. Os discursos nacionais sobre Governança de Internet facilitam a análise crítica e podem ajudar a identificar brechas no conhecimento técnico, enquanto que o fato de participar sob um determinado conjunto de princípios estabelecidos de comum acordo tende para o conhecimento prático e a resolução de problemas. Ao igual que em qualquer processo de várias partes interessadas, a participação e o intercâmbio geram um grande aprendizado coletivo. Os diálogos nacionais entre Governança de Internet acrescentam outro caminho para que as partes interessadas dentro de cada uma das comunidades nacionais dividam suas experiências, aprendam através de intercâmbios interdisciplinares e consigam uma melhor compreensão e identificação dos problemas e as deficiências através do discurso.

Desenvolvimento

A culminação de novos processos de construção de conhecimento, formulação de políticas e negociação melhora a aplicabilidade e as perspectivas de aplicação de soluções e/ou recomendações. Embora em última instância algumas soluções devam confiar na aquiescência do governo, existe uma série de oportunidades para que os atores não estatais possam se encarregar de alguns aspectos da governança, entre outras coisas, através do estabelecimento de regras para a comunidade e a supervisão delas por parte da própria comunidade ou do ordenamento particular como fazem alguns intermediários da informação. Uma melhor participação das comunidades nacionais é, sem dúvida, uma das formas básicas de apoiar o empoderamento dos membros das referidas comunidades a fim de que possam compartilhar seus valores e perspectivas perante os atores da Internet na procura de uma Internet aberta, estável e segura. Para os atores do Caribe, ter uma maior compreensão dos múltiplos níveis da governança é também um passo fundamental na realização de atividades de promoção, empreendimento de políticas ou ordenamento particular.

Não existe uma fórmula fixa que estabeleça em que medida os diálogos sobre Governança da Internet nacionais devem ser formalizados. Dentro da região mais ampla da América Latina e o Caribe, as experiências de diálogo sobre Governança da Internet em nível nacional no México, na Colômbia e Argentina demonstram que, seja qual for a combinação de enfoques alentada pela cultura e os objetivos de uma comunidade, ela serve para robustecer a Governança da Internet em nível nacional. O México convoca a um comitê multisetorial informal para fortalecer a compreensão da Governança da Internet e salientar a representatividade ao contar com a participação de dois representantes dos cinco grupos de interessados identificados (sociedade civil e usuários finais, academia, setor privado, comunidade técnica, governo). Na Colômbia, as partes interessadas são convocadas e organizadas oficialmente antes de sua participação em uma reunião internacional de Governança da Internet e estão em sintonia com a estratégia nacional de governança do governo, tema no qual a identificação das partes interessadas e os fóruns são elementos chave. A Argentina tentou formalizar seu diálogo nacional sobre Governança da Internet através da criação de uma Comissão Nacional de Políticas da Internet que apoia um processo interno de múltiplas partes interessadas, ao tempo que coordena a representação estatal nas reuniões internacionais. Sem dúvida, cada tipo de enfoque tem seus méritos sobre a base das condições prévias e recursos disponíveis.


[1] Ponto de vista chave expressado em Kleinwächter W [ed] (2011) #2 Internet Policy Making. Multistakeholder Internet Dialog Co:llaboratory Discussion Paper Series, No. 1. Disponível em http://www.collaboratory.de/index.php?action=ajax&title=- &rs=SecureFileStore::getFile&f=/1/14/Mind_02_neu.pdf

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